segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A palavra «desencher» é um erro de português?

AUTOR: MARCO NEVES


No Facebook, encontrei quem se queixasse de ter ouvido um jornalista a dizer a curiosa expressão «o estádio está a desencher».
Por baixo do post, em muitos comentários, lá vinham as indignações habituais: não pode ser, isto agora é só ignorantes, essa palavra não existe, os jornalistas já não são o que eram — e por aí fora.
Confesso: nunca tinha ouvido tal verbo. Supus mesmo que o jornalista tivesse tido ali um assomo de criatividade e não deixei de sorrir. Mas, lá no meio dos comentários indignados, noto que alguém declarou a quem quis ouvir que lá na terra dela todos conheciam aquele verbo. Mais: teve o cuidado de ir ao dicionário — daqueles em papel e mais antigos — e encontrou o verbo «desencher».
Ou seja: a palavra existe. Sim, talvez seja do registo popular e já sabemos que há muitas pessoas incapazes de lidar com tais misturas, vá-se lá saber porquê. Também é verdade que o verbo é transitivo e fica a parecer que falta ali qualquer coisa. Agora o que o jornalista não fez foi inventar uma palavra nova…  Usou uma palavra que aprendeu como todos aprendemos muitas palavras: entre amigos, colegas e familiares.
Perante isto, qual foi a resposta dos indignados? Uma ou outra pessoa lá aceitou que estava perante uma palavra que não conhecia e não era caso para tanta indignação. Mas outras continuaram imperturbáveis na sua fúria por terem sido expostas a uma palavra desconhecida. Mais: declararam a quem os quis ouvir que, se o dicionário tinha essa palavra que elas não conheciam, então o dicionário só podia estar errado! «Desencher»? Alguma vez…
Tenho pena, tenho genuína pena de quem anda a ouvir televisão e a ler textos com o dedo já em riste, pronto a apontá-lo, indignado, à primeira palavra que não conhece. O mundo deve ser triste para quem perdeu assim o gosto pela sua língua.

[Fonte: www.certaspalavras.net]

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