Por Paulo Camargo
Há algum tempo, não sei exatamente quanto, ando perdendo o prazer de comprar.
Não se trata de uma mudança de hábito com motivações conscientemente
ideológicas. Até poderia tirar da manga um discurso edificante sobre os
malefícios do consumismo exacerbado, mas, em certa medida, estaria sendo
hipócrita, embora tenha, sim, preocupações genuínas com
sustentabilidade e desperdício.
Esse meu surto de desapego, que deve ter dado seus primeiros sinais
há, talvez, uns quatro, cinco anos, não tem uma motivação específica.
Apenas fui percebendo que precisava de muito menos, sentindo que eu e
minhas coisas ocupavam espaço demais. Se, em um passado hoje já um tanto
distante, entrava em uma grande livraria com a certeza de que não
sairia com as mãos vazias, hoje tenho uma visão mais realista de minha
condição de leitor (e apaixonado por cinema e música).
Não me desencantei com o mundo das letras, longe disso. Mas hoje
tenho consciência das limitações de tempo (e espaço físico): todas as
vezes que olho para as prateleiras de minhas estantes, e constato que há
muitos títulos que ainda não foram lidos, adquiridos por impulso, ou
discos e filmes quase intocados desde que chegaram da loja, percebo que
ter, definitivamente, não é poder.
Faço as contas, e me dou conta que talvez muitos dessas obras nunca
cheguem aos meus olhos e, portanto, passaram a ter função meramente
decorativa.
Paradas, ainda que bem guardadas, à minha espera, o que antes me dava
uma certa sensação de prazer – ou seria um misto de poder e conforto?
–, hoje me inquieta. Além do desperdício que representam, atestam o meu
excesso de ambição, até mesmo pretensão. Essas obras todas talvez
estivessem muito melhor circulando pelo mundo, passando de mão em mão –
livro parado, sem leitores, é mero enfeite, natureza morta.
Às vezes, observando o mundo ao meu redor, tenho a impressão de que o
excesso de consumo sinaliza um certo vazio existencial, que precisa ser
preenchido por coisas das quais não necessitamos de verdade. A não ser
para proporcionar o efêmero deleite de adquiri-las. À medida que a vida
avança, percebo que, pelo menos em mim, o desejo de viver, ser,
tornou-se bem maior do que o de possuir. Simples assim.
[Fonte: www.aescotilha.com.br]
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