“O crioulo é importante para nós, é a
nossa língua, mas com ela estamos restringidos a Cabo Verde. Quando me convidam
para falar da língua portuguesa, preocupo-me, sobretudo, em pensar na
importância que ela tem para nós, cabo-verdianos”. Quem o diz é Germano
Almeida, autor cabo-verdiano, que por estes dias participa no colóquio “Criar
em Português/O que pode uma língua”, em Lisboa.
Germano Almeida participou na tarde desta
segunda-feira, 27, no colóquio “Criar em Português/O que pode uma língua”, em
que se pretendia “saber mais sobre as experiências, dificuldades, descobertas e
expectativas de quem usa e estuda a Língua Portuguesa e sabe o que ela tem de
único, de virtuoso e de virtualidade”. No final do painel “Criação Literária”,
o escritor cabo-verdiano falou ao asemanaonline sobre
a importância que estes encontros têm para adivulgação da língua
portuguesa.
O que achaste
deste primeiro dia de debate e sobretudo do painel em que
participaste?
A ideia, em si, é interessante. Os
portugueses estão preocupados com a expansão da língua portuguesa. Nós,
em Cabo Verde, devemos estar preocupados com o uso da língua portuguesa. É
isto que tento transmitir. Temos de dominá-la bem porque nos põe em contacto
com o mundo. A língua cria proximidade. Eu quero transmitir a cultura
cabo-verdiana, a vivência cabo-verdiana, em português. Não posso dizer que é
uma língua estranha. Utilizo-a como uma ponte entre culturas”.
No caso de Cabo
Verde, a nossa preocupação é com o crioulo. Não haverá um conflito de
interesses?
O crioulo é importante para nós, é a
nossa língua, mas com ela estamos restringidos a Cabo Verde. Quando me convidam
para falar da língua portuguesa, preocupo-me, sobretudo, em pensar na
importância que ela tem para nós, cabo-verdianos.
Apesar de já
ter sido publicado em forma de lei, ainda a polémica vai acesa à volta
da questão do alfabeto da língua cabo-verdiana. Qual é a tua opinião nesta
matéria?
Nós vamos precisar de, em qualquer
tempo, ter uma definição daquilo que vai ser o alfabeto cabo-verdiano.
Dominando a língua portuguesa, cultivando a língua portuguesa, não podemos
descurar o uso do crioulo porque é a nossa língua. Viremos, um dia, a ter
literatura em crioulo, livros traduzidos em crioulo? Não sei quando, na medida
em que são necessários meios que não temos. De qualquer modo, começará a ser
mais fácil, a partir do momento em que tivermos fixado um alfabeto e dizer que,
a partir de agora, se escreve o crioulo desta maneira. É preciso dizer se as
pessoas recusaram o ALUPEC e tem de haver outro alfabeto para as pessoas
saberem, exactamente, os dados com que se cosem.
Seguirias outro
caminho alternativo ao ALUPEC?
Eu, na minha opinião, seguiria o
alfabeto português. Democraticamente não sei se seria a opção escolhida. Eu
escolheria essa via, por uma razão simples. Por exemplo: quando vejo “casa”
escrita com “k” e ela não reflecte a ideia que eu tenho de casa, mas, sim de
outra coisa. Porque, no fundo, a língua não é apenas palavras, é aquilo que já
temos a nível do sentimento, da nossa idiossincrasia. Dizem que escrever com
“c” estaremos a escrever exactamente como os portugueses. Isto é mau? Para mim,
não é.
O evitar a
“contaminação” do português será uma falsa questão?
É uma falsa questão tentarmos fugir
do português. Esta é a minha opinião. Porque o crioulo não vai chegar a ser
exactamente como o português. É um pouco como a questão do americano em relação
ao inglês. Acho que chegaremos a algo semelhante. A tentativa do afastamento do
português é um problema ideológico. Não sei se é uma coisa importante. Para
mim, não é. As duas línguas estão no mesmo pé de igualdade. Se estão próximas
ou afastadas é pormenor.
Falaremos todos,
futuramente, o “brasileiro”, como se referiu um colega teu do painel?
Nunca se sabe. Com a importância e o
peso da população brasileira é bem possível que assim venha acontecer. Por
outro lado, também teremos de analisar esta questão com um certo relativismo. O
peso dos números também pode não ter essa incidência, dependendo daquilo que
fizermos a nível da literatura.
AC
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