Escrito por Sérgio Rodrigues
|
Outro dia lancei aqui a palavra
"botalhão", batalhão de bots. O neologismo pode não ser grande coisa,
o fenômeno é. Na campanha eleitoral, como muita gente, andei enfrentando essa
turma nas redes sociais.
Há ferramentas online que ajudam
em sua identificação, mas às vezes basta o faro. São exércitos mercenários de
perfis falsos à disposição de quem pagar para vender seu peixe político ou
comercial. Ou espalhar que o peixe do adversário dá dor de barriga.
Embora sejam uma forma de
inteligência artificial e haja inteligência fina no direcionamento de suas
mensagens a grupos específicos, esses bots têm a capacidade de argumentação dos
imbecis. Recitam chavões como atendentes de telemarketing perfeitos (porque
imunes ao tédio).
Na guerra são competentes. Aquelas
"pessoas" de nomes e avatares genéricos e IDs com tralha alfanumérica
conhecem seu serviço. Primeiro falsificam a realidade, inflacionando o grau de
interesse, controvérsia ou indignação em torno de alguém ou algo, muitas vezes
algo inventado. São a melhor claque já concebida.
Logo a repercussão falsa se torna
real, como dinheiro lavado. Acabam dando mesmo em incêndio muitos dos fósforos
riscados pelos bots na secura da mídia social assolada por junkies, isto é,
nós.
Os botalhões compensam o baixo
número de seguidores com o fato de serem muitos (48 milhões só no Twitter, em
estimativa do ano passado) e se meterem em debates com pessoas reais seguidas
por muita gente.
Claro que a palavra
"debate" é inadequada. Não se debate com um bot —a ideia de um
"debote" é, desculpe, deboche. O debate é um enfrentamento de
consciências, e não há consciência num pedaço de código de programação.
A cobrança deve se dirigir aos
generais dos botalhões. Ou à própria lógica de um modelo de negócio criado há
poucos anos: a venda, por preço módico, de um poder comparável ao do anel de
Frodo.
Estamos falando de uma arma
incrivelmente eficaz de manipulação das multidões chamada mídia social, que
Jaron Lanier esconjura com sagacidade e pessimismo no recém-lançado "Dez
Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais" (Intrínseca).
Nesse jogo, os bots não são o
jogador nem a única ferramenta. São peões. Também não são todos guerreiros,
alguns desempenham tarefas burocráticas e até nobres. Fazem o que é repetitivo,
com velocidade e infalibilidade inumanas. Bons escravos --a mesma ideia que
presidiu o nascimento de seu pai.
A grafia do português tenta
disfarçar, favorecendo um robô de chapeuzinho, mas a paternidade é oficial.
"Bot" é uma forma reduzida de "robot", palavra que fará cem
anos em 2020.
Coube ao escritor tcheco de ficção
científica Karel Capek (1890-1938) o privilégio de cunhar a que talvez seja a
mais bem-sucedida palavra de origem literária do século 20. "Robot"
nasceu na peça teatral "R.U.R. - Rossumovi univerzální roboti"
(Os robôs universais de Rossum).
Com seu neologismo baseado no
tcheco "robota" (trabalho forçado), sugestão de seu irmão Joseph,
Capek tocou num nervo. Em 1924, sua peça já tinha estreado em Londres, Nova
York e Paris. Em 1941, outro escritor, Isaac Asimov, cunhou a palavra
"robotics" (robótica). Os robôs ganharam o mundo como palavra e como
ideia.
Nascido com o novo século, mais
refinado e poderoso, seu filho bot ameaça deixar para sempre o velho robô com
aquele ar pateta de C-3PO, o humanóide dourado de "Guerra nas
Estrelas".
[Fonte: www.folha.com.br]
Sem comentários:
Enviar um comentário