Especialista na NSA, jornalista diz que a agência sempre espionou todo mundo desde os anos 50, sem leis que a freassem
Escrito por RAUL JUSTE LORES
As mudanças na espionagem dos EUA anunciadas pelo presidente Barack
Obama são "cosméticas", e os países espionados "deveriam continuar muito
preocupados".
Quem diz isso é um dos maiores especialistas externos da Agência de
Segurança Nacional (NSA), o jornalista James Bamford, 67, que estuda a
agência há 30 anos.
Ex-analista de inteligência da Marinha e ex-professor-visitante da
Universidade da California em Berkeley, ele escreveu três best-sellers
sobre a NSA. A trilogia serviu de base a um seriado sobre a agência,
indicado para o Emmy, o Oscar da TV americana.
Leia trechos da entrevista:
Folha - O que o sr. espera que mude nos sistemas de espionagem da NSA?
James Bamford - As mudanças anunciadas por Obama são apenas
cosméticas. Ele transferiu a esponsabilidade aos mesmos que deixaram a
agência livre para fazer o que quiser: chefes da inteligência,
Departamento de Justiça, Congresso. De 46 recomendações de mudanças
feitas pela comissão independente nomeada pelo próprio Obama, o discurso
só citou seis. Não vai mudar nada.
A NSA sempre foi poderosa desse jeito?
Era como um gorila enjaulado. Sempre foi enorme, com grande orçamento, e
espionou todo mundo desde os anos 50 sem leis que a freassem. Em 1975,
uma comissão do Congresso investigou seus abusos e criou a Fisa, o
tribunal secreto que a controlava. Mas, depois dos atentados de 2001, o
governo Bush deixou de lado a Fisa e aumentou o poder da NSA. A agência
ficou fora de controle.
As grandes empresas do Vale do Silício são cúmplices da NSA ou obrigadas a cooperar?
No braço de ferro entre Vale do Silício e militares e espiões, estes
levaram a melhor. As empresas de tecnologia precisam cooperar com ordens
secretas, liminares secretas de um tribunal secreto. E têm seus
servidores invadidos pela espionagem. O Vale do Silício vai precisar
fazer muito mais lobby, já que está perdendo muito dinheiro.
Mas Obama disse que todo mundo espiona e que só os EUA estão sendo julgados.
Certa espionagem é necessária, e não reclamaria de espionarmos Coreia do
Norte ou China, mas espionar aliados? A Petrobras? Isso não.
Todos os países gostariam de espionar uns aos outros, e diversos
adorariam espionar a Casa Branca, mas essa comparação é falaciosa. As
nove maiores empresas de tecnologia do mundo estão nos EUA. Um
telefonema entre Bancoc e Laos provavelmente passará por algum cabo nos
EUA. Não dá para comparar com o que outros países fazem.
Que atentados a NSA evitou?
A NSA não descobriu o atentado frustrado da Times Square nem o de
Boston. Há um só caso descoberto, um taxista em San Diego que transferiu
dinheiro para a Somália. Não justifica gastar US$ 10 bilhões por ano
com isso.
O Brasil conseguiria se proteger dessa espionagem ou é quase impossível?
Nenhum governo sozinho vai conseguir driblar a espionagem americana. Só
coletivamente, já que é o mesmo problema. Admiro a reação do Brasil, mas
a resposta precisa ser tecnológica. Achar soluções e ser menos
dependente dos americanos.
A opinião pública americana parece não dar muita atenção para o tema,
e a maioria quer que Edward Snowden seja julgado. A segurança nacional
ainda está acima de tudo?
Vivemos uma era de exibicionismo digital: a preocupação com a
privacidade é menor do que nunca, e a maioria dos americanos não parece
preocupada com a vigilância. Há uma crença forte de que o governo é
benévolo e só quer nos proteger. Atitude ingênua, mas que permitiu as
guerras do Vietnã e do Iraque. Éramos o bem contra o mal.
Então o efeito das denúncias de Snowden é limitado?
Daniel Ellsberg, que revelou os papéis do Pentágono, era um analista
militar que defendia a Guerra do Vietnã. Chelsea Manning se alistou para
lutar no Iraque. Os delatores podem ter má fama, mas estavam dentro do
sistema, não gostaram do que viram e se rebelaram. Imagine quantas vidas
não teriam sido salvas se um delator revelasse antes da invasão do
Iraque que aqueles documentos da inteligência eram errados?
Obama apenas herdou o legado de Bush?
Aceitou os pedidos de militares e serviços de inteligência. Aumentou
tropas no Afeganistão, o orçamento da CIA e o uso de drones. Não reduziu
o legado de Bush.
[Fonte: www.bbc.co.uk]
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