O homem duplicado, de José Saramago, foi publicado pela primeira vez em 2002. Nesta obra, aprendemos que a escrita tão característica do nosso génio da literatura consegue, também, ganhar um toque de suspense que nos obriga a ler o livro quase de uma vez só. Uma boa análise dos problemas do homem contemporâneo, o jeito característico do autor e a boa estória tornam a leitura obrigatória.

Tertuliano Máximo Afonso é um professor de História que se limita a ver a sua vida a passar. Até os acontecimentos mais dramáticos são apáticos ao protagonista. Um dia, ao ver um filme na televisão, faz uma descoberta: existe um homem exatamente igual a ele, um sósia. Neste momento, decide embarcar numa busca desenfreada pelo seu semelhante, aluga todos os trabalhos em que o seu duplo participou e, com isto, o personagem outrora tão apático, revela-se outra coisa.

O homem duplicado, José Saramago

Nesta viagem órfica, a densidade psicológica e o desenvolvimento das personagens são claros. Com uma escrita que desencadeia suspense com laivos de ironia, vários são os temas com que nos debatemos. A busca do sentido da vida, do “eu”, o senso comum, a valorização do próprio, o bom, o mau e muitas outras questões filosóficas tornam O homem duplicado bastante rico e complexo. Traz, definitivamente, bastante bagagem intelectual a quem tomar a boa decisão de o ler.

Como acontece na maioria dos escritos saramaguianos, a narração é bastante interventiva. Isto não me incomoda, mas entendo quem sinta o contrário por ter uma ânsia maior no desenvolvimento da estória, do que, propriamente, face aos comentários e descrições. Entendo ainda mais a opinião neste caso, dado a obra estar recheada de suspense e de curiosidade face ao desfecho.

No que concerne à escrita, creio que, nem lendo todas as obras de José Saramago, o início de uma é fácil ou confortável. As frases muito longas, a falta de pontuação e de distinção (ou distinção não clara) de diálogos e falas do narrador tornam o começo da leitura um desafio. Contudo, e como em todas as outras que já li, acabamos por nos habituar e damos por nós a adorar o estilo e a achar que ele confere mais fluidez do que o comum.

O homem duplicado não é o melhor trabalho do autor, pelo menos, o Ano da Morte de Ricardo Reis e, principalmente, o Ensaio sobre a cegueira permanecem à frente. Mas é bastante bom. Não é literatura light e o final pode ser dúbio nas interpretações. Porém, acho que isso se afigura um ponto positivo porque reforça um hábito em desuso: pensar.