Escrito por Abrao Slavutzky
Heinrich Heine (1797-1852) foi um poeta reconhecido universalmente ao lado de Goethe e Rilke, e teve em Sigmund Freud um dos seus milhares de fãs. No livro “O mal-estar na cultura”, talvez o mais lido da obra freudiana, consta essa história escrita por Heine: “Índole pacífica. Desejos: cabana modesta, telhado de palha, porém uma boa cama, comida gostosa, leite e manteiga bem frescos, flores em frente à minha janela, belas árvores de fronte à porta; e se o bom Deus quiser me fazer totalmente feliz, que me conceda a alegria de ver nessas árvores, cerca de seis ou sete de meus inimigos enforcados. De coração comovido hei de perdoar, antes de suas mortes, todas as infâmias que me infligiram em vida – sim, temos que perdoar nossos inimigos, mas não antes de serem enforcados. Perdão, amor e compaixão”.
Essa piada (só para os que sorriram) expressa os desejos agressivos inconscientes. Ela surpreende ao final pois começa com a declaração suave e pacífica de Heine, e conclui com violência surpreendente. Heine por expressar duras verdades aos prussianos teve opositores raivosos, tanto que se exilou em Paris.
Por que se ri de uma piada? O riso ocorre porque há uma suspensão da inibição, e parte da energia psíquica se torna livre, e assim se encontra uma via de descarga na risada. O prazer procede de um alívio de tensão. Isso deve-se ao fato de que um pensamento pré-consciente é abandonado à elaboração inconsciente, e o resultado disso é captado imediatamente pela percepção consciente. A chegada de uma representação inconsciente na consciência gera prazer, é o riso da piada.
Freud define a piada como expressão de uma surpresa, a piada revela o sentido do absurdo, tudo semelhante ao modo infantil de pensar. Rimos das piadas como se, naquele momento, fôssemos crianças que desfrutam da graça. Jacques Lacan, em seu seminário “As formações do inconsciente”, escreve que o prazer provocado pela piada se deve ao retorno do período lúdico da atividade infantil. Enfatiza a analogia entre a piada, o sonho, o ato falho e o sintoma. Ele conclui afirmando: “A piada restitui o gozo e gera o prazer da surpresa e a surpresa do prazer”.
A piada é uma das provas de que o prazer só pode ser entendido nas relações com os demais, como a primeira experiência de satisfação que o bebê viveu. Todas as identificações que formam a personalidade derivam das relações com os pais e familiares. As identificações que constituem o sujeito vêm sempre de fora. As marcas psíquicas do inconsciente foram primeiramente externas. Não é difícil observar como um bebê depende de forma absoluta de alguém que o alimente, cuide e ampare. Nenhum animal nasce mais dependente do que o ser humano.
A piada é definida por quem escuta ao ser surpreendido pelo final da história. Há um aumento de tensão ao longo da piada, pois não se sabe o final. A piada oferece para quem escuta um prazer estético semelhante ao da obra de arte, um prazer que estimula o viver. Relacionar a palavra piada com a sofisticada palavra inconsciente surpreende, mas é só uma das provas de que uma piada revela os desejos eróticos ou agressivos que estavam recalcados.
A piada revela o inconsciente, o outro lado, assim como os humoristas estão sempre a nos surpreender gerando graças até das desgraças. Exemplo recente é a cantora e compositora Rita Lee que chamou seu tumor maligno de “Jair” numa homenagem a Bolsonaro.
[Ilustração: Mihai Cauli - fonte: www.terapiapolitica.com.br]
Sem comentários:
Enviar um comentário