Escrito por Sérgio Rodrigues
Sempre fui um
defensor do Acordo Ortográfico de 1990, apesar de suas evidentes limitações.
Agora que parece (quase) seguro considerá-lo vitorioso tanto no Brasil quanto
em Portugal, vejo meu entusiasmo declinar.
Recém-chegado de
alguns dias em terras lusitanas, percebo que nunca fui tão descrente da ideia
de que a língua portuguesa possa se manter íntegra a longo prazo.
Há indícios de
que a unificação –que é real, mesmo prevendo um punhado de variantes– tenha
vindo tarde demais para deter o alargamento do abismo linguístico entre nós.
Não tenho certezas. Vou falar de impressões.
Em primeiro
lugar, convém explicar minha simpatia pelo acordo. Regular ortografia por lei é
ideia de jerico. Ela devia ser deixada em paz, sedimentando-se ao longo dos
séculos em dicionários. Foi isso que garantiu a relativa coesão ortográfica do
inglês, por exemplo.
Essa opção nós
perdemos em 1911, quando Portugal implantou sozinho a reforma que acabou com a
ortografia etimológica do "ph" e das consoantes dobradas. O Brasil
não foi consultado e acabou tomando mais ou menos o mesmo caminho alguns anos
depois, mas do seu próprio jeito.
Desde então,
enquanto reformas feitas a canetadas se sucediam dos dois lados do Atlântico,
nunca mais nos encontramos. O Acordo Ortográfico é mais um erro
intervencionista, com a única vantagem de ser, em tese, o erro que vai encerrar
a série.
O próprio texto
da reforma é vulnerável a todo tipo de crítica. Para ficar num só exemplo, as
regras de hifenização de palavras compostas que sempre foram um pesadelo de
cláusulas e subcláusulas apinhadas de exceções continuam sendo isso, só que
agora são outras. Perdemos a memória visual das palavras sem ganhar nada em
troca.
Ainda assim, a
ideia de uma ortografia única, projeto liderado pela diplomacia brasileira, me
parece falar mais alto. Se jamais teremos uma perfeita unidade de léxico e
gramática, que é impossível e nem seria desejável, um modo comum de grafar as
palavras pode ser a cola que impeça a sexta língua mais falada do mundo de se
fragmentar.
Em meio a fortes
resistências, a novidade vai deitando raízes em Portugal. Morreu em 2014 um de
seus maiores críticos, Vasco Graça Moura, que em artigos fumegantes destilava
um nacionalismo linguístico vizinho do preconceito antibrasileiro.
Moura falava por
gente à beça, mas o tempo está contra eles. A maior parte dos jornais e
editoras aderiu à nova ordem. Nas escolas, uma nova geração de portugueses é
alfabetizada aprendendo que "objecto" não tem "c" –e nem
por isso, surpresa, virou "objêto"! Tudo indica que em alguns anos a
velha ortografia será peça de museu.
Se é assim, de
onde vem meu ceticismo? Da desconfiança de que o acordo não passe de um
baldinho de água no deserto. De que a sólida indiferença dos leitores
portugueses à literatura brasileira, por exemplo, seja sintoma de uma distância
cultural já irreversível.
E por que não
seria? Desde 1911, são praticamente incontáveis as inovações vocabulares
unilaterais que, de parte a parte, contribuíram para afastar nossas almas
aparentadas. Os aviões que aqui decolam, descolam por lá.
O Acordo
Ortográfico decolou, está no ar. Mas temo que a descolagem dos pedaços que a
utopia lusofônica tenta unir seja questão de tempo.
[Foto: Danilo
Verpa/Folhapress – fonte: www.folha.com.br]
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