sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Queixo aerodinâmico, olho de pitomba… e governo de segunda-mão

Por Mouzar Benedito 

Se beber, não dirija — é o que todo mundo recomenda. Quem bebe deve usar táxi, se tiver grana. Se não tiver, que use o transporte público. Mas como fazer isso se, por exemplo, muitas estações de metrô em São Paulo não têm banheiro público?
Um dia desses, bebi cerveja e fui pra casa, de metrô. Quando cheguei na estação a que me destinava, era uma dessas sem banheiro público. Com a bexiga cheia, onde urinar? Não dava para esperar chegar em casa. Andei por uma rua escura e cometi o ato de mijar num muro. Ao fazer isso — reparem — a gente “empurra” a bunda pra frente, e lembrei-me de uma expressão usada para quem tem bunda murcha: bunda de mijar no muro. É o contrário de bunda de tanajura.
Aí fiquei me lembrando de outras expressões para identificar pessoas, a partir de detalhes do corpo. Boca de chupar ovo, por exemplo, é quem tem boca pequena. Olho de peixe morto é quem tem os olhos lânguidos, algo a ver com o que os japoneses chamam de sampaku (em que a pupila fica mais para o alto, aparecendo embaixo dela o branco dos olhos). No Nordeste, dizem que gente assim tem olho de cabra morta. Já saindo das características físicas da pessoa, olho gordo é o do cobiçoso, e olho de seca pimenteira é o do invejoso, de mau-olhado, que provoca doenças em crianças bonitas, faz murchar flores etc.
Cambito de sabiá é quem tem pernas finas. Orelhas de abano (no Nordeste, orelha de abanar fogo) é quem tem orelhas côncavas, salientes. Quem tem pernas curtas, é bunda baixa.
Queixo de graviola é quem tem o queixo torto. Por falar em queixo, um dia um amigo estava impressionado com uma moça que falava sem parar e eu disse a ele: “Repare como ela tem o queixo fino”. Ele perguntou o que tinha isso a ver com o tanto que ela falava e eu respondi: “Pessoas que falam muito e rápido geralmente têm o queixo aerodinâmico. Ao abrir e fechar a boca, mexendo o maxilar inferior, esse tipo de queixo enfrenta menos atrito com o ar. Quem tem o queixo fino, aerodinâmico, tende a falar mais”, brinquei. Repeti essa teoria besta algumas vezes por aí e teve quem acreditasse.
Existem também expressões citando partes do corpo, adjetivando pessoas com certas características, que podem ter ou não a ver com aspectos físicos dessas partes. Por exemplo: língua de trapo, para quem fala demais e faz fofoca; bunda mole para covardes; mãos de fada para quem cozinha muito bem; olhos de lince para quem enxerga longe; braço de ferro para fortões; perna de pau pra jogador de futebol ruim; cabeça oca ou cabeça de bagre para quem não sabe pensar, cabeça de vento é o “cuca fresca”, pessoa que não leva as coisas a sério, são um tanto irresponsáveis, pode-se dizer…
Bom, relacionei algumas coisas dessas, tanto com o sentido de identificar uma pessoa pelas características físicas como essa tendência (politicamente incorreta?) de adjetivar partes do corpo.
Vamos ver algumas expressões relacionadas ao nariz, para começar. Nariz tem dois “buracos” embaixo, né? Mas algumas pessoas têm nariz com esses “buracos” bem visíveis para quem está em frente a elas. Não são embaixo dele. Quem tem o nariz assim é identificado como nariz de chover dentro. E quem anda de nariz empinado é nariz de cheirar peido. Narigudo é venta de tucano. Já o nariz achatado, no Nordeste, é chamado de venta de bezerro novo.
Aliás, o sertanejo nordestino é pródigo nessas qualificações. Chama de galo de raça o sujeito avermelhado, alto, de pescoço comprido, geralmente loiro. Por falar em pescoçudo, dizem no Sertão do Nordeste que o sujeito tem pescoço de garrafão. Testa grande é testa de carneiro mocho. Unha de peba é quem não corta as unhas.
Ainda falando de características do rosto, o caipira (isso vale pra muitas partes do Brasil) chama de cara de mamão macho quem tem o rosto comprido e fino, descarnado. Quem tem no rosto marcas de varíola, no sertão do Nordeste, é cara de areia mijada. Já quem tem marcas de muitas espinhas é cara de batata estragada.
Sujeito muito feio pode ser cara de milagre, cara de ex-voto ou cara de promessa.
Olho de cachimbo apagado é quem um olho vazado e olho de pitomba é quem tem olhos grandes ou salientes.
Boca de moela é o desdentado, o banguela. Boca mole, dizem por aí, é quem não sabe guardar segredo, conta tudo. Boca aberta é o sujeito lerdo, meio burro, que demora a entender as coisas. Aqui vale uma observação: boboca não é uma palavra derivada de bobo, vem do tupi boboc, que significa boca aberta. É uma gíria indígena.
Voltando ao sertão do Nordeste, dente de preá é quem tem dentes miúdos e encavalados. Ruivo é bigode de arame. Mas se for ruivo barbudo, pode ser chamado também de barba de sovaco de ovelha. Se a barba do sujeito for alourada, ele é barba de arroz doce. Já o sem barba, mas de cabelos avermelhados, é cabelo de espiga de milho.
Quem tem os cabelos espetados é cabelo de espetar caju. E a cabeça grande? Na minha terra pode ser, entre outras coisas, cocão. No Nordeste é cabeça de comarca ou cabeça de nós todos. Quem tem cabeça chata é cabeça de bater sola.
Maracujá de gaveta é manjado, é quem tem a pele do rosto muito enrugada.
Mudando para outras áreas do corpo, comecemos por quem tem pernas tortas. Garrincha é um exemplo, o jogador ganhou esse apelido porque tinha as pernas que os outros moleques achavam que pareciam pernas desse passarinho, também chamado de cambaxirra ou corruíra. Mas quem tem as pernas arcadas o sertanejo chama de perna de arco de barrica. Quem tem os pés virados para dentro é pé de papagaio.
Menino de barriga grande (com vermes?) é barriga de bezerro enjeitado ou barriga de soro azedo.
E o sujeito pálido, de aspecto cadavérico? Esse, a olha que maldade, chamam de desertor de cemitério.
Para terminar, pensei em que parte do corpo que pode ser usada para identificar certos políticos. A maioria deles, talvez. É a mão, concluí.
Para começar, temos aí um governo de segunda mão, que ganhou o poder de mão beijada, com a simpatia e o apoio de adeptos da mão armada. Nele, vemos políticos conhecidos pela mão de gato, habituados a ter a mão aberta com o dinheiro público, no qual metem a mão e fingem que só os outros é que fazem isso. Eles são uma mão na roda para o poder econômico.
Antes de eleições, aparecem de mãos postas, com juras, prometendo dar uma mão aos necessitados. Com um caixa 2 feito com grana de quem molhou as suas mãos, também molham a mão de eleitores safados, e depois de eleitos os mãos-leves lavam as mãos para os problemas do povo. Deixam a gente na mão. E o que vem aí? Mãos largas para uns (adivinhe quem), e mão de ferro para educação, saúde, essas bobagens, e para aposentados, esses inúteis…
Bom… Tem dois tipos de aposentados, né? Os nossos e os deles. Mãos largas para os deles, que se aposentaram bem novos (com tempo de aproveitar a vida, não é?) e ganhando obviamente umas vinte vezes mais do que os nossos, que para merecer uma merreca devem trabalhar até ficar caquéticos.
Como dizia Augusto dos Anjos, a mão que afaga é a mesma que apedreja.
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[Fonte: www.blogdaboitempo.com.br]

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