Podemos continuar a fingir que há um cessar-fogo na Faixa de Gaza e outro cessar-fogo no Líbano. Podemos continuar a fingir que Israel não ataca a Síria nem a Cisjordânia, mas será apenas isso, um fingimento. Publicado em Meu Mundo Minha Aldeia.
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| Faixa de Gaza; funeral de Abdullah Abu Hammad, morto pelo exercito israelita perto de Khan Younes. |
Escrito por José Manuel Rosendo
É raro o dia em que não surgem notícias de ataques israelitas na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, no Líbano, na Síria… Podemos continuar a fingir que há um cessar-fogo na Faixa de Gaza e outro cessar-fogo no Líbano. Podemos continuar a fingir que Israel não ataca a Síria nem a Cisjordânia, mas será apenas isso, um fingimento. Podemos fingir acreditar em tudo isso, mas sabemos que não é verdade. Até poderá haver cessar-fogo no papel, mas não mais do que isso. E isso é muito pouco.
Cisjordânia
A situação na Cisjordânia é particularmente dramática, com o exército israelita a fazer operações consecutivas e os colonos a atacarem aldeias palestinianas. Na quinta-feira, em Jenin, o exército israelita matou à queima-roupa dois palestinianos desarmados e completamente cercados por vários soldados. O vídeo foi divulgado nas redes sociais, o Alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos confessou o choque provocado pelas imagens e apesar de o exército israelita dizer que vai ser feita uma investigação, sabemos bem como terminam estas investigações. Aliás, o ministro da segurança nacional de Israel, Ben Gvir, apressou-se a manifestar “apoio total aos guardas de fronteira e aos militares do exército que dispararam contra terroristas procurados que saíram de um edifício em Jenin”. Na rede social X, Ben Gvir escreveu: “Os soldados agiram exatamente como é esperado”, (…) “Os terroristas devem morrer!”.
A B’Tselem, organização israelita de defesa dos direitos humanos, considera que “é dever da comunidade internacional acabar com a impunidade de Israel e levar à justiça os responsáveis pelo planeamento e execução das suas políticas criminosas contra o povo palestiniano”.
Desde 7 de outubro de 2023, mais de mil palestinianos (combatentes e civis) foram mortos pelas forças israelitas na Cisjordânia. Nos últimos dias a acção israelita está centrada em Tubas, onde há registo de pelo menos 15 feridos, duas dezenas de detidos e várias famílias expulsas de casa para que o exército israelita possa instalar centros de comando. Os relatórios da OCHA (Gabinete da ONU para a Coordenação dos Assuntos Humanitários https://www.unocha.org/) são um retrato da catástrofe que está a ser vivida na Cisjordânia.
Faixa de Gaza
A Amnistia Internacional (AI) afirma que “o genocídio continua”, apesar de haver cessar-fogo desde 10 de outubro. Num relatório de 27 de novembro, a AI lembra que pelo menos 327 pessoas, incluindo 136 crianças, foram mortas em ataques israelitas desde que o cessar-fogo foi anunciado, a 9 de outubro, e alerta que “Israel restringe severamente a entrada de alimentos e o restabelecimento de serviços essenciais para a sobrevivência da população civil”.
A secretária-geral da AI, Agnès Callamard, alerta que “o cessar-fogo corre o risco de criar a perigosa ilusão de um regresso à normalidade para as pessoas que vivem em Gaza” e avisa que “o mundo não deve ser enganado” porque “o genocídio perpetrado por Israel não terminou”.
Enquanto não avançam as negociações para que o cessar-fogo entre na segunda fase, também não há acordo para encontrar uma solução para os combatentes do Hamas bloqueados num túnel na região de Rafah. O Hamas pretende que possam sair ao abrigo do que entende estar definido no acordo de cessar-fogo; Israel faz uma leitura diferente e exige uma rendição.
Um porta-voz do Governo israelita disse que Benjamin Netanyahu “não está a permitir a passagem segura de 200 terroristas do Hamas” e que se mantém “firme na intenção de desmantelar as capacidades militares do Hamas e desmilitarizar a Faixa de Gaza”. O Hamas acusa Israel de violar os termos do cessar-fogo ao “procurar, eliminar e prender combatentes da resistência sitiados nos túneis de Rafah”.
Síria
Sexta-feira, 28 de novembro, as forças israelitas atacaram o sul da Síria e mataram 13 pessoas. Foi a operação mais violenta desde a queda de Bashar Al Assad.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Síria classifica o ataque como um “crime de guerra” e acusa Israel de querer “incendiar a região”. O exército israelita diz que foi uma operação para prender suspeitos da organização “Jamaa Islamiya” (grupo libanês aliado do Hamas), que estariam a planear ataques contra civis israelitas.
O ataque israelita à aldeia de Beit Jinn, 40 km a sudoeste de Damasco, durante a madrugada, confrontou-se com a resistência dos habitantes, várias habitações e a mesquita da aldeia foram atingidas, e Israel diz que seis soldados ficaram feridos.
Apesar de haver contactos entre israelitas e sírios para tentar chegar a um “acordo de segurança”, Israel exige que a região a sul de Damasco seja desmilitarizada e Benjaimn Netanyahu assume que a parte dos montes Golan ocupados por Israel não será devolvida à Síria. Netanyahu visitou a 19 de novembro uma zona de território sírio para a qual Israel expandiu a presença militar após a queda de Bashar Al Assad, o que foi visto pelo actual poder sírio como uma provocação do primeiro-ministro israelita.
Líbano
A poucos dias da visita do papa Leão XIV ao Líbano, Israel voltou a atacar Beirute. O alvo foi o comandante do Hezbollah, Haitham Ali Tabatabai. O Hezbollah diz que está a respeitar o cessar-fogo e acusa Israel de não o fazer. Os constantes ataques israelitas no sul do Líbano dão razão ao Hezbollah, e o líder do movimento libanês, Naïm Qassim, diz que tem o direito de responder: “que o inimigo israelita e aqueles que estão com ele entendam como quiserem (…) é nosso direito responder, e nós decidiremos quando”.
Há precisamente um ano (27 de novembro de 2024) que foi assinado o cessar-fogo entre Israel e o Hezbollah mas os ataques israelitas têm sido uma constante. A UNIFIL (Força das Nações Unidas no sul do Líbano) foi alvo desses ataques israelitas: “as Forças de Defesa de Israel dispararam contra os soldados de manutenção da paz da UNIFIL a partir de um tanque Merkava, perto de uma posição estabelecida por Israel em território libanês. Disparos de metralhadora pesada atingiram os soldados da paz a aproximadamente cinco metros de distância. Estavam a pé e tiveram de abrigar-se no terreno. A UNIFIL registou mais de 10 000 violações de cessar-fogo, aéreas e terrestres, nos últimos doze meses.
O dedo no gatilho
Em todas as frentes, com ou sem cessar-fogo assinado, com ou sem mediadores e supervisores do cessar-fogo, com ou sem resoluções da ONU, Israel não tira o dedo do gatilho e sente-se no direito de atacar quem, quando e como quiser, fazendo tábua rasa da soberania dos Estados vizinhos e espatifando o Direito Internacional.
Pinhal Novo, 29 de novembro de 2025.
Publicado por José Manuel Rosendo no blogue Meu Mundo Minha Aldeia.
[Foto: Wafa - reproduzido em www.esquerda.net]








