As chamadas biografias autorizadas não raro são escritas por encomenda, mediante pagamento. Personalidades que se acham importantes contratam com algum escriba a elaboração de sua biografia, que é submetida à sua apreciação, de sorte que, se for por ele aprovada, será publicada, se não, não o será. São sempre panegíricas, e é para ser elogiado que o biografado contrata a biografia.
Aquele artigo declara, em essência, que, salvo
autorização, a divulgação de escrito, a transmissão da palavra, ou a
publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser
proibidas a seu requerimento, sem prejuízo da indenização que couber. Aí está dito: "Salvo
autorização, a divulgação de escrito... de uma pessoa...".
A primeira questão interpretativa que se
apresenta é esta: escrito de uma pessoa, como está dito no artigo, ou escrito
sobre uma pessoa, como um grupo formado por Caetano Veloso, Chico Buarque, Gil
e o próprio Roberto Carlos querem ou quiseram. De fato, o art
.
20 não proíbe a divulgação ou publicação de escrito sobre uma pessoa, que é o
que define uma biografia. Por outro lado, a imagem de uma pessoa pode ser
imagem-figura e imagem-atributo.

Divulgar escrito entra neste segundo tipo. É
claro que o escrito de uma pessoa só pode ser divulgado ou publicado com sua
autorização, porque aí está envolvido o direito econômico e moral do autor, razão por que se fala em
indenização.
De toda forma, o dispositivo deve ser
interpretado tendo em vista regras da Constituição de 1988, sobretudo o
disposto no art
.
5º, IX, segundo o qual "é livre a expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou de
licença". E ainda há o art. 220, segundo o qual a manifestação do
pensamento, a criação e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo,
não sofrerão qualquer restrição.

A biografia é uma atividade intelectual,
inequivocamente, é manifestação do pensamento, é criação e até informação, além
de sua dimensão histórica. Logo, é uma atividade livre que não pode sofrer censura nem
restrição nem precisa de licença para ser publicada.
Demais, o invocado direito à privacidade para
exigir-se a autorização não ocorre no caso, primeiro tendo em vista aquela
liberdade garantida nos dispositivos constitucionais, segundo a pessoa notória,
que se torna de interesse público pela fama ou significação intelectual,
artística ou política e não poderá alegar ofensa a seu direito à imagem se a
divulgação estiver ligada à ciência, às letras, à moral, à arte
e à política.

As biografias autorizadas caem no rol do
panegírico, do louvor, ou porque o biógrafo ganhou para elaborá-la ao gosto do
biografado, ou porque o biógrafo admira tanto o biografado que seu objetivo é
mesmo destacar suas qualidades.
JOSÉ AFONSO DA SILVA, 88,
constitucionalista, é professor aposentado de direito da USP
[Fonte: www.folha.com.br]
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