O psiquiatra Flávio Gikovate fala sobre as angústias da elite que frequenta seu consultório e o estresse do mundo moderno
Por PEDRO CARVALHO
Flávio Gikovate não tem um divã. Quando um paciente chega ao
consultório dele, num dos endereços mais caros de São Paulo (a Rua
Estados Unidos, nos Jardins), encontra primeiro uma fachada de cimento
queimado com portas altas de correr. Depois, pode tomar café na recepção
térrea, entre um jardim interno envidraçado e telas coloridas de
Claudio Tozzi. Na hora da consulta, sobe por uma escada sem paredes
laterais até a sala do psiquiatra e se senta: ou num sofá, ou numa
poltrona bem confortável de couro preto. Mas divã, como no nome de seu
programa semanal na rádio CBN (No Divã do Gikovate), não tem. “Sempre
trabalhei assim, prefiro olho no olho”, diz. Talvez seja o olho no olho,
talvez seja o método da “psicoterapia breve” e a promessa de alta em
seis meses – que faz com que ele atenda 200 pacientes por ano. Fato é
que Gikovate se tornou o confidente de alguns dos empresários e
executivos mais bem-sucedidos do país. Nesta conversa, ele fala sobre a
gastança dos brasileiros ricos, a cabeça do bom líder e outros temas
atuais, mas de um ponto de vista diferente. Ou você já tinha ouvido que a
culpa do consumismo é da pílula anticoncepcional?
Dinheiro anda comprando mais felicidade ou infelicidade?
Esses dias uma moça me perguntou se era possível ser feliz sendo pobre.
Estudos de Harvard mostram que se faltar dinheiro para o básico –
saúde, comida – provavelmente o indivíduo não consegue ser feliz. Algum
para o supérfluo também é importante. Agora, de um ponto para cima, ele
pode atrapalhar bastante. O consumismo é muito mais fonte de
infelicidade do que de felicidade. O prazer trazido é efêmero, uma bolha
de sabão – e em seguida vem outro desejo. Ele gera vaidade, inveja, uma
série de emoções que estão longe de qualquer tipo de felicidade. E tudo
vira comparação. Outro estudo diz que um indivíduo que ganha US$ 40 mil
numa comunidade em que a média é de US$ 30 mil é mais feliz do que se
ganhar US$ 100 mil e a média for de US$ 120 mil.
A elite brasileira é consumista demais?
Comecei a trabalhar em 1967, vi a chegada da pílula [anticoncepcional] e
a emancipação sexual dos anos 60. Na época, achava-se que essa
liberdade iria ‘adoçar’ as pessoas. ‘Faça amor, não faça guerra.’ Mas
sexo e amor são coisas diferentes. É triste ver que os ideólogos daquela
revolução estavam totalmente errados, porque a emancipação sexual
aumentou a rivalidade entre os homens e entre as mulheres, foi criado um
clima de competição, atiçou tudo que tinha de ruim no ser humano. Foi
um agravador terrível do consumismo. Em países de Terceiro Mundo – e,
intelectualmente, aqui é quase Quarto Mundo –, a elite só piorou nesse
tempo. É uma elite medíocre, ignorante, esnobe. Na Europa e nos EUA, o
exibicionismo da riqueza é muito menor. Na Europa, as pessoas consomem
qualidade, não quantidade. Elas têm uma bolsa cara, mas não mil bolsas,
para fazer disputa. Aqui há um comportamento subdesenvolvido e medíocre.
E totalmente competitivo. As festas de casamento e de 15 anos são
patéticas. A próxima festa tem de ser maior. Isso é sem fim. É
sofrimento, é infelicidade. A quantidade e o volume com que as pessoas
correm atrás dessas coisas é desespero.
Então o sexo é culpado pelo consumismo?
Desde o início, o erótico está acoplado ao consumismo. Nos anos 20, foi
preciso introduzir novos produtos que não tinham a ver com
necessidades, como o xampu. A ideia que tiveram foi acoplar um desejo
natural a um desejo que se queria criar. Então botavam uma mulher
gostosa para vender xampu. O consumismo sempre esteve relacionado ao
erótico, não ao romântico. O romântico é o anticonsumismo. As boas
relações amorosas levam as pessoas a uma tendência brutal ao menor
consumismo. A verdadeira revolução, se vier, vai estar mais ligada ao
amor do que ao sexo.
PAPO CABEÇA
Ele elogiou o livro O Amor nos Tempos do Capitalismo, de Eva Illouz, e
os filmes Rush, sobre Niki Lauda, e Blue Jasmine, de Woody Allen
Quais são outras fontes de angústia dessa elite que você atende?
Só para explicar: sempre fui bem [na carreira], faz pelo menos 30 anos
que atendo algumas das pessoas mais bem-postas do país. Outro trabalho
que sempre fiz foi por meio da mídia, em jornais, revistas e, há seis
anos e meio, na CBN. É outra forma de ajudar as pessoas. Então tem dois
mundos que eu atendo, o dos ricos e o do povo. E as diferenças são
pequenas. São conflitos sentimentais, mais do que sexuais. Problema de
família, briga de irmãos. Empresários têm muitos problemas de sucessão. O
pai tem dificuldade de soltar a rédea e o filho tem a frustração de
estar com 40 anos e não ter assumido os negócios. Outras vezes são
problemas de ordem financeira, mesmo. O cara está indo mal, fica
angustiado, tem os problemas familiares que derivam disso. Tem as
tensões societárias... Empresa é complicado, quando vai bem tem
problema, quando vai mal tem problema.
Por que trabalhar, no mundo moderno, é quase sempre tão estressante?
Estresse significa uma reação física para enfrentar situações de
ameaça, portanto, quando o ser humano vivia na selva também tinha
estresse. O estresse vem da ameaça, então numa empresa em que você é
cobrado o tempo todo, vive com medo de ser demitido, você cria um clima
muito mais grave de ameaça que o necessário. Estresse é ameaça.
Sobrecarga cansa, mas não estressa.
Você às vezes se sente estressado?
Cansado. É diferente. Mas às vezes fico um pouco acelerado no
pensamento, o que eu não gosto, porque empobrece a reflexão. Tenho a
sensação de que o tempo ficou curto, de estar sempre devendo alguma
coisa. Você se sente sempre em falta com um livro que não leu, um filme
que não viu. Quando eu era moço, tinha cinco ou seis filmes importantes
por ano para ver. Hoje, tem cinco filmes por mês. E bons!
Qual é uma boa válvula de escape desse mundo acelerado?
Um pouco mais de folga de horários, mais tempo para algum tipo de
relaxamento. As prescrições passam por exercício físico, ioga e
meditação – porque esvaziar a cabeça é certamente um grande redutor de
ansiedade. Passam também pelo uso de medicação. Mas tudo isso são
atenuadores. Se o trabalho fosse um pouco menos competitivo, seria
possível abrir mão desses remédios.
Como um bom líder pode ajudar a reduzir as tensões no trabalho?
O bom líder é respeitado naturalmente, não por meio do medo. As pessoas
reconhecem que ele está apto para o cargo e o exerce da forma mais
democrática possível. Ou seja, antes de tomar uma decisão, consulta quem
trabalha com ele, o que não significa terceirizar a decisão. O voto
final é do líder, mas não sem ouvir todo mundo. A governança não pode se
dar por atos irracionais, pelo humor do patrão. Deve se dar por normas
que todo mundo conhece. Uma das maiores causas de estresse é ter um
patrão cujo humor vai influir na forma como ele gere a empresa. Por isso
a governança corporativa é importante, porque é um conjunto de normas
que vai valer todo dia.
Você costuma ouvir: “meu chefe não me escuta”?
Todo mundo tem esse defeito [de não escutar]. O pai com o filho, o
chefe com o subordinado... No caso do chefe, é mais comum porque chefe
acha que sabe mais por definição, o que é uma grande bobagem. Um
filósofo disse: humildade é a capacidade de aprender com quem sabe menos
do que você. Ouvir alguém de verdade é estar disposto a abrir mão da
sua ideia em favor da outra, se a outra for melhor que a sua. Boa ideia
não tem dono. Toda boa ideia que eu ouço vira minha – e eu jogo fora
minha velha ideia.
Que mudanças devemos ver daqui para a frente, em termos de comportamento?
As grandes transformações estão ligadas à mudança no papel da mulher.
Na minha turma de faculdade, havia 78 homens e duas mulheres. Hoje, as
faculdades têm em média 60% de mulheres. É porque os homens estão mais
folgados e as mulheres, mais guerreiras. Mas isso vai dar numa série de
desequilíbrios. Não sei se as mulheres vão gostar de sustentar os
homens, nem se os homens vão gostar de ser sustentados. No ambiente de
trabalho não tem problema nenhum, ao contrário, muitos empresários acham
que as mulheres trabalham melhor. Mas em casa vai dar problema. Como
faz para ter filho? Quem vai cuidar? Como vai terminar isso, ninguém
sabe. A verificar. Mas não pense que é uma variável desprezível. A
independência econômica da mulher desequilibra pra caramba o mundo.
Além do consultório, o senhor também foi bem-sucedido para vender livros?
Não tenho do que reclamar. Desde 1975, publiquei 32 livros e vendi mais de 1 milhão de cópias.
Qual o melhor?
Não sei. Minha mulher diz que é O Mal, o Bem e mais Além. É difícil falar. Gosto sempre dos mais recentes, mas no fundo são a reescritura daquilo que fiz nos anos 70 e 80.
E quando as pessoas muito ricas são felizes, o que costuma levar a isso?
Os executivos que se sentem realizados são aqueles que gostam do que fazem. Às vezes, ficam até viciados. Mas a maior felicidade das pessoas ainda é quando conseguem estabelecer vínculos amorosos de qualidade. Tanto faz ser executivo ou não. É o que tem de mais importante. Gostar do que se faz e ter uma boa parceria sentimental talvez sejam as duas principais fontes de felicidade nesse nosso mundo.
Não tenho do que reclamar. Desde 1975, publiquei 32 livros e vendi mais de 1 milhão de cópias.
Qual o melhor?
Não sei. Minha mulher diz que é O Mal, o Bem e mais Além. É difícil falar. Gosto sempre dos mais recentes, mas no fundo são a reescritura daquilo que fiz nos anos 70 e 80.
E quando as pessoas muito ricas são felizes, o que costuma levar a isso?
Os executivos que se sentem realizados são aqueles que gostam do que fazem. Às vezes, ficam até viciados. Mas a maior felicidade das pessoas ainda é quando conseguem estabelecer vínculos amorosos de qualidade. Tanto faz ser executivo ou não. É o que tem de mais importante. Gostar do que se faz e ter uma boa parceria sentimental talvez sejam as duas principais fontes de felicidade nesse nosso mundo.
[Fotos: João Mantovani - fonte: www.epocanegocios.globo.com]
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