Assim como o mau motorista é sempre aquele que dirige o outro carro, e
não quem enuncia o julgamento, pornográfico tende a ser o tipo de filme
que nunca será exibido num circuito de arte, por mais explícitas as
cenas que contenha.
Há, sem dúvida, um bom componente de hipocrisia no uso de qualquer rótulo, mais ainda quando questões de sexo estão em jogo.
A "Ilustrada" destacou na quarta-feira a "ousadia" –para lembrar um adjetivo talvez fora de moda– de alguns filmes em cartaz.
"Azul É a Cor Mais Quente", esmerada produção francesa de Abdellatif
Kechiche, abre-se generosamente à exploração do amor sáfico. "Um
Estranho no Lago", de Alain Guiraudie, recuou diante da sodomia
explícita porque os dublês de corpo, profissionais do pornô, não queriam
dispensar o preservativo, contrariando o roteiro.
Tais filmes, assim como o brasileiro "Tatuagem", de Hilton Lacerda, e o
francês "Jovem e Bela", de François Ozon, parecem estar em vias de
superação pelo dinamarquês Lars von Trier, cujo "Ninfomaníaca" estreia
hoje. A protagonista, vivida na idade adulta por Charlotte Gainsbourg,
pressagia desde os dois anos de idade o comportamento que dá título à
realização.
Espante-se quem ainda puder, e que tais filmes sejam tomados por
corriqueiros pelos que desejem. A censura, evidentemente, não se
justifica em nenhuma hipótese. Nem por isso é neutro o rótulo de
"pornográfico"; implica avaliação pejorativa e restrição moral.
Como distinguir o "erótico" do "pornográfico"? A diferença não reside na
voltagem do apresentado, no detalhismo do olhar ou na centimetragem
epidérmica.
O critério seria estético, e não moral. Mas a estética é também uma área
de ambiguidades e tensões. O "bom gosto" e o "mau gosto" variam no
tempo. Na moderna teoria estética da recepção, as construções do
espectador alteram o significado da obra. O já clássico "new criticism"
advertia contra a "falácia da intencionalidade": o que o autor quis
dizer não é a chave para o que sua obra de fato diz.
Um enfoque razoável seria o de levar em conta não a cena sexual em si,
mas o contexto em que é apresentada. Mau gosto ou explicitude podem ter
função expressiva em determinada obra –o que não equivale a apresentá-la
por si mesma, na titilação do proibido e na baixa busca de efeitos
puramente hormonais no espectador.
Estética e moral não se separam necessariamente nesta discussão –a que
não contribuem o puritanismo nem a procura publicitária do escândalo.
[Fonte: www1.folha.uol.com.br]
Sem comentários:
Enviar um comentário