O mensalão e os mensaleiros ainda dão e por muito tempo darão o que
falar. A última grande "reflexão" de um dos envolvidos no esquema foi
disparada por Roberto Jefferson, que, na última segunda-feira, em seu
blog, afirmou que "tudo valeu a pena".
Não sei se para proferir essa frase o ex-deputado se inspirou num dos
versos do monumental poema "Mar Português", do grande Fernando Pessoa.
Lá vão as duas primeiras estrofes da obra-prima: "Ó mar salgado, quanto
do teu sal / São lágrimas de Portugal! / Por te cruzarmos, quantas mães
choraram, / Quantos filhos em vão rezaram! / Quantas noivas ficaram por
casar / Para que fosses nosso, ó mar! / Valeu a pena? Tudo vale a pena /
Se a alma não é pequena".
O leitor certamente sabe que Portugal já comandou um vasto império,
cujos tentáculos chegaram aqui e a diversos cantos do planeta.
Certamente sabe também da fama e da coragem dos navegadores portugueses,
que, entre glórias e fracassos, geraram, na visão de Pessoa, um copioso
derramamento de lágrimas, as quais salgaram boa parte do mar, do mar
português, do mar de Pessoa.
O profundo questionamento do poeta, ao qual ele mesmo responde ("Valeu a
pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena."), não deixa de conter
uma certa dose de ingenuidade e/ou ufanismo ("Para que fosses nosso, ó
mar!"). Descontextualizado, o pensamento em si é mais do que nobre, é
nobilíssimo.
E a reflexão de Roberto Jefferson? Anda pelo mesmo caminho da de Pessoa?
Ai, ai, ai... Poder-se-ia comparar a sanha da coroa portuguesa e dos
seus navegadores pelos descobrimentos, pela posse de terras, pelo
desbravamento dos mares, pelo poder, enfim, com a sanha dos que
idealizaram, dos que mandaram realizar, dos que chefiaram, executaram
etc. o mensalão? Tire você mesmo a conclusão, caro leitor.
As "semelhanças" entre o que estão provando os mensaleiros já condenados
e seus parentes e as vicissitudes dos navegadores portugueses e
respectivos familiares são deveras interessantes. Na internet não faltam
fotos e frases de gente que, no caso dos mensaleiros, exerce papel
semelhante ao que exercem no poema de Fernando Pessoa as mães que
choraram, os filhos que rezaram em vão, as noivas que ficaram por
casar...
Valeu a pena? Depende. Qual é o tamanho da alma dos que participaram do
mensalão? Ou o mensalão nunca existiu e não passa de uma invenção da
imprensa e de madalenas de matizes diversos?
Talvez os dois versos finais do poema "Mar Português" nos ajudem a
refletir melhor sobre isso: "Deus ao mar o perigo e o abismo deu, / Mas
nele é que espelhou o céu". Parece que Deus deu também ao mar dos
mensaleiros o perigo e o abismo, mas esses onipotentes nem sequer se
lembraram de olhar para o céu... É isso.
Pasquale Cipro Neto
[Fonte: www.folha.com.br]
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