segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Festival exibe filme proibido de mostrar figura de Guimarães Rosa

Diretor Silvio Tendler substitui imagens do escritor por mancha branca e diz que Brasil sofre de ‘Alzheimer cultural’


Por Maurício Meireles

Quem assistir ao novo documentário do diretor Silvio Tendler, “Sujeito oculto — Na rota do grande sertão”, sobre a lendária viagem de Guimarães Rosa com vaqueiros pelo sertão de Minas Gerais, em 1952, vai sentir falta da imagem do protagonista. Nas fotos dos vaqueiros com a boiada, uma mancha branca aparece no lugar do escritor de “Grande sertão: veredas”. É um protesto, diz o diretor, por ter sido proibido, pelas herdeiras de Guimarães Rosa, de usar as imagens do escritor. O filme, que não tem fins comerciais e foi feito para ser distribuído em escolas públicas, será exibido neste domingo à noite, em Fortaleza, no 1º Festival Internacional de Biografias, que começou na quinta-feira.

— O mote do filme é o Alzheimer social, cultural e econômico que o país está vivendo, com a destruição de culturas tradicionais, como acontece no sertão de Guimarães Rosa. O problema das biografias também entra na questão do apagamento da memória. Não poder contar a história de uma pessoa é um Alzheimer cultural. O Brasil está perdendo as histórias dos seus melhores filhos — diz Silvio Tendler.

Em 1952, Guimarães Rosa acompanhou uma boiada de seu primo, em uma viagem que passou por dez fazendas. O objetivo do escritor era fazer anotações sobre a paisagem do sertão mineiro e o modo de falar dos vaqueiros que o acompanhavam, que mais tarde serviram de material para aquela que é hoje reconhecida como sua obra-prima, “Grande sertão: veredas”.

A viagem foi tema de uma reportagem da revista “O Cruzeiro” naquele ano. Foram as fotos dessa reportagem que o diretor tentou usar, sem sucesso, em seu filme. Por isso, Tendler faz o paralelo: da mesma forma que o sertão de Guimarães Rosa é tomado pelos eucaliptos e as veredas secam, acarretando a perda de um patrimônio cultural, uma parte da História do país também desaparece com a proibição das biografias.

Segundo o diretor, as negociações começaram quando ele quis citar “Grande sertão: veredas” no seu média-metragem. Para isso, precisou falar com o advogado Eduardo Tess Filho, neto de Araci, segunda mulher do escritor, a quem ele doou em vida os direitos sobre o romance. A negociação não foi à frente, mas, mesmo assim, Tendler resolveu avisar ao advogado que iria usar as imagens da “Cruzeiro”. O diretor conta que chegou a pagar à família de Eugênio Silva, autor das fotos. Algum tempo depois do aviso, porém, o cineasta afirma que recebeu um e-mail dos advogados de Vilma e Agnes Guimarães Rosa, herdeiras do escritor, proibindo-o de usar as imagens do pai delas, por motivos de “foro íntimo”. Tendler não tentou negociar.

— O Eduardo, por iniciativa dele, avisou ao advogado delas. Aí o advogado me escreveu dizendo que eu não podia usar por questões de foro íntimo. Sem nenhuma explicação. Não pedia dinheiro e não dizia o que era esse foro íntimo. Resolvi então tirar o Guimarães Rosa das fotos e deixar a mancha. Se a gente continuar assim, o Brasil vai virar essa mancha branca — diz Tendler, afirmando que também não mostraria seu filme para os herdeiros de Rosa a fim de buscar sua aprovação.

“Sujeito oculto — Na rota do grande sertão” foi aprovado em um edital do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), para ser distribuído em escolas públicas e exibido nas TVs públicas. A ideia inicial era falar da viagem de Guimarães Rosa, mas o filme virou, segundo Tendler, uma defesa da liberdade de contar histórias. O novo documentário termina, meio profeticamente, com uma mancha branca tomando conta de toda a tela — uma alusão do diretor ao que pode acontecer se a liberdade de expressão não for garantida.


[Fonte: www.oglobo.globo.com]

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