Escrito por Gabriel Lagoa
A ideia de escolher Lisboa como destino de eleição para
nómadas digitais parece
estar a perder força. De acordo com uma estimativa da Nomad List, uma
plataforma que monitoriza a atividade dos nómadas digitais, no mês passado
chegaram à capital portuguesa 3.600 destes trabalhadores remotos, um número bem
inferior ao
pico de 20.800 em outubro de 2021.
A dada altura, Lisboa, com o seu clima ameno, praias próximas e relativo baixo custo de vida, atraía largos milhares de profissionais remotos de todo o mundo, que aproveitam o facto de poderem trabalhar à distância para conciliarem o trabalho com as viagens; agora, os números indicam uma quebra que estará ligada a uma realidade bem diferente: um custo de vida caro, com impostos elevados face a outros países. É o que explica ao The Next Big Idea a Digital Nomads Association Portugal (DNA Portugal), uma associação que ajuda a estruturar e promover Portugal para nómadas digitais.
Preços da habitação afastam nómadas
Gonçalo Hall, presidente da DNA Portugal, confirma a quebra significativa no número de nómadas que escolhem Portugal, especialmente Lisboa. Justifica que em causa está o aumento dos preços da habitação e o crescimento significativo do turismo. “A quebra é mais significativa em locais como Lisboa, muito devido ao preço das casas. Os nómadas utilizam casas turísticas e a plataforma Airbnb, que com o boom do turismo se tornaram simplesmente demasiado caras”. O responsável acrescenta que a cidade “era muito atrativa de outubro até maio, mas neste momento o boom turístico é tão forte que não sei se ainda existe a época baixa”.
No entanto, enquanto
Lisboa perde terreno, outras regiões portuguesas ganham popularidade. “Temos outros sítios em Portugal que
têm trabalhado para atrair nómadas digitais, por exemplo Lagos e até a Madeira,
onde essa quebra é muito menor“, refere Gonçalo Hall. O
presidente da DNA Portugal afirma que Lagos tem uma grande sazonalidade e os
preços das casas ainda são atrativos, o que se apresenta como um ponto a favor
para os nómadas digitais, face ao custo de vida em Portugal.
A Madeira, em particular, tem-se destacado como um caso
considerado de sucesso na atração e integração sustentável destas pessoas. O
projeto “Digital Nomads Madeira”, do qual Gonçalo Hall faz parte e que envolve
o governo regional, tem como objetivo criar condições para atrair nómadas digitais
de todo o mundo para o arquipélago e potenciar as vantagens da ilha. Num balanço recente, o responsável indica que em mais de três anos o
projeto contribuiu com cerca
de 30 milhões de euros diretamente para a economia madeirense,
com aproximadamente 20 mil nómadas a visitar o arquipélago anualmente. Além
disso, o registo de novas empresas tecnológicas na Madeira cresceu 80%.
Gonçalo Hall não tem dúvidas de que o impacto económico e social
dos nómadas digitais nas comunidades pode ser significativo, especialmente
quando há uma gestão e integração adequadas. O dirigente volta a destacar o
exemplo da Madeira para dizer que quando um projeto se foca na atração e
integração de nómadas digitais e é bem-sucedido, os resultados aparecem. “Hoje,
temos nómadas a criar empresas e associações na ilha, a contribuir ativamente
para a economia e a sociedade”.
Por outro lado, em
cidades como Lisboa e Porto, Hall considera que a “total” falta de projetos de
integração limita o potencial impacto positivo dos nómadas.
“Quando não temos estes projetos de integração, que podem ser relativamente
baratos, perdemos a oportunidade de criar pontes entre quem chega de novo ao
país e tem muito para dar, e quem precisa realmente”.
Quanto à relação entre os nómadas e as comunidades locais,
Gonçalo reconhece que existe uma certa culpabilização destas pessoas pela subida
dos preços da habitação e considera que há uma confusão entre o que é um nómada
digital e um imigrante no geral. “A maioria dos nómadas digitais utiliza o
alojamento turístico e fica em média dois a três meses”. Quando passamos a
falar de imigrantes, aí não são só os nómadas, estamos a falar de imigrantes de
todo o mundo”.
Credibilidade portuguesa ferida
Os desafios para os estrangeiros que escolhem Portugal para
trabalhar remotamente vão além da habitação. O fim do regime de Residentes
Não Habituais (RNH), que esteve em vigor até ao final do ano passado e dava uma
taxa de IRS a 20% durante 10 anos a estrangeiros com altas qualificações, para
que passassem a trabalhar em Portugal, minou a confiança dos nómadas: “O final do RNH foi uma grande
marcha atrás na possibilidade de atrair estas pessoas, mas também de as fixar
mais cá. Esta mudança não só afetou a atratividade de Portugal
para novos nómadas, como também dificultou a permanência a longo prazo daqueles
que já estavam no país”, explica Gonçalo Hall.
Mas, recentemente, o novo Governo anunciou que
quer voltar a introduzir uma taxa de 20% no IRS para atrair talento
estrangeiro, à semelhança do regime dos Residentes Não Habituais. Ainda assim,
o dirigente da DNA Portugal tem as suas dúvidas quanto ao impacto imediato da
medida: “Portugal
perdeu alguma credibilidade. Muita gente basicamente desistiu e passou o seu
processo para a Espanha e para o Dubai”, afirma Hall, que
acrescenta que as hesitações vão continuar a existir até “Portugal provar que
isto não é um programa que vai durar um ano e depois vai ser cancelado
novamente”. Além disso, o responsável nota que há demasiada demora nos processos em
Portugal face a países como a vizinha Espanha.
Novas tendências
Gonçalo Hall lamenta que Portugal esteja a perder terreno para
outros destinos como Espanha, que se tem destacado na atração de nómadas
digitais, com cidades como Málaga e Valência a desenvolverem estratégias
específicas para este mercado. Ainda assim, como conta a Sifted este verão realizaram-se
protestos desde Málaga e Menorca até às Ilhas Canárias devido ao número recorde
de turistas no país. Em Barcelona, manifestantes trouxeram
cartazes e pistolas de água às ruas para protestar contra um fluxo de
visitantes que consideram ser culpados pela subida dos preços, sobrelotação da
cidade e a diluição da cultura local. Alguns
nómadas digitais chegaram mesmo a receber mensagens de ódio online.
Além de Espanha, há mais destinos que se apresentam como um hotspot de nómadas
digitais. É o caso da Tailândia, Indonésia (especialmente Bali), Croácia e,
mais recentemente, a Albânia. Na América do Sul, cidades como Buenos Aires e
Rio de Janeiro estão também a fazer grandes esforços para atrair estas pessoas.
De olhos postos no futuro, o presidente da DNA Portugal acredita
que o país ainda tem potencial para ser um destino atrativo para os nómadas
digitais, mas precisa de abordar os desafios que se colocam hoje em dia de uma
forma mais eficaz. “Portugal continua a ser o melhor país para viver na Europa,
desde que não tenhamos que lidar com a burocracia”, afirma.
[Fonte: 24.sapo.pt]
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