Neurocientista
diz que gente de direita é mais sensível a imagens repugnantes
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Escrito por Sérgio
Rodrigues
A foto fez sucesso nas redes
sociais no dia 31 de março, aniversário do golpe de Estado de 1964, que
inaugurou uma ditadura de duas décadas no Brasil (o dia preciso é 1º de abril,
mas isso não vem ao caso agora). Mostra uma jovem ex-candidata derrotada à Assembleia
Legislativa de São Paulo agredindo uma mulher com um jato de spray de pimenta
nos olhos.
Contexto:
a borrifadora estava na avenida Paulista para, atendendo à convocação do
presidente da República democraticamente eleito, comemorar uma data funesta
para a democracia brasileira. A outra pertencia ao grupo dos que lá estavam
para boicotar a festa da direita bolsonarista.
O que importa aqui é menos o contexto
do que a imagem em si. As duas personagens ficarão sem nome porque não há
heroísmo em nenhum dos lados. Trata-se de uma cena violenta mas, convenhamos,
até banal nas democracias, aqueles regimes em que as pessoas podem se
manifestar politicamente. O que talvez vá além da banalidade é a cara de
nojinho da moça da pimenta.
Como observou alguém no Twitter, sua
expressão facial e corporal é a de quem, diante de uma barata encontrada na
cozinha e sem coragem para enfrentá-la com o chinelo, descarrega-lhe em cima
meia lata de inseticida.
Não poderia haver ilustração melhor
para uma reportagem que li outro dia na revista The Atlantic. O título resume
tudo: "Liberais e conservadores reagem de forma totalmente diferente a
imagens repulsivas". (Liberais e conservadores são termos que devem ser
entendidos aqui no sentido americano, grosseiramente equivalentes à nossa
divisão esquerda-direita.)
O texto fala de uma experiência
conduzida pelo neurocientista Read Montague, da universidade Virginia Tech, por
sugestão de um grupo de cientistas políticos. Estes desejavam testar a hipótese
de que, além de fatores conhecidos como educação e posição socioeconômica,
haveria um componente bioquímico a influenciar nossas posturas ideológicas.
Cético a princípio, Montague acabou
topando monitorar por ressonância magnética a atividade cerebral de 83
voluntários enquanto lhes eram apresentadas imagens neutras ou com forte carga
emocional --destas, algumas agradáveis e outras revoltantes, nojentas. Em
seguida, cada um preencheu um questionário sobre temas políticos e sociais.
O cruzamento dos dois conjuntos de
dados, exames de imagem e questionários, impressionou o neurocientista.
"Meu queixo caiu", declarou à revista. Os cérebros de gente de
direita reagiam de forma muito mais forte às imagens repugnantes. A diferença
era tão marcante que os scans permitiam prever posição ideológica com 95% de
acerto.
O modo de interpretar esses dados é
tema aberto, mas uma hipótese central se impõe. Nossa resposta cerebral de
repulsa diante de animais asquerosos e cenas de imundície, traço evolutivo que
ajudou a espécie a sobreviver, poderia nos levar, se muito aguçada, a tratar
diversos tipos de diferença social, racial e comportamental como ameaças tão
imediatas quanto um ninho de ratos no porão.
Não ponho a mão no fogo pelo achado
de Montague. Se me parece óbvio que as ciências biológicas e as ciências
humanas têm um profícuo diálogo pela frente, o péssimo uso que se fez desse
cruzamento há menos de cem anos recomenda a manutenção de um pé atrás:
naturalizar o que é histórico também é uma ideia nojenta. Mas que a moça do
spray parece dar razão ao neurocientista, parece.
[Fonte: www.folha.com.br]
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