Escrito por Jamil Chade
Ao entrar em seu
quarto mês sob a gestão de Jair Bolsonaro, o serviço diplomático brasileiro
vive uma situação sem paralelo desde o retorno do país à democracia. Dentro do
Itamaraty, um movimento de dissidentes ganha força nos bastidores e diplomatas
espalhados em diferentes partes do mundo se mobilizam.
Desde que assumiu a
chancelaria, Ernesto Araujo tomou decisões que deixou seus pares desnorteados.
Agora, os primeiros diplomatas já ousam, ainda que de forma anônima, a levantar
a voz contra o chefe.
Antes mesmo de
assumir, Araújo surpreendeu ao ao anunciar que o Brasil se distanciaria do Pacto de Migração. Mas
não foi apenas a direção de sua orientação que chamou a atenção. Seu
anúncio foi feito no mesmo dia em que a cúpula do Itamaraty estava no Marrocos
para assinar o Pacto.
Foi dele a iniciativa
para desconvidar governos estrangeiros para a posse de Bolsonaro, violando
inclusive a prática que estabelece que todos os governos com representação
diplomática no país devem ser convidados.
As confusões
continuaram na administração da instituição. Embaixadores exonerados, cargos
trocados e grandes quadros técnicos enviados para consulados em cidades
distantes e irrelevantes.
Desde janeiro, relatos
apontam como a pressão se tornou insustentável dentro da chancelaria. Em alguns
casos, ela se transformou em perseguição.
Em postos no exterior,
embaixadores têm-se surpreendido com o descalabro das orientações que recebem.
Quando recebem.
De forma confidencial,
diplomatas abandonaram a tradicional arte do silêncio. Alguns ironizavam:
"cada vez que chega um telegrama é um 7 x 1 que vivemos". Outros
pedem apenas mais um copo de aguardente, enquanto grupos se reúnem de forma
quase clandestina pelo whatsapp para tentar entender quem é que, de fato, está
elaborando a política externa nacional.
Com uma base frágil
dentro do Itamaraty, Araújo passou a ser acompanhado de perto pelos generais,
temerosos de ideias levantadas pelo diplomata. Entre algumas deles está o uso da força na Venezuela, proibida inclusive
pela Constituição. A lista dos temas espinhosos ainda inclui dar uma base para os americanos, uma adesão à OTAN e,
claro, a mudança da embaixada para Jerusalém.
Internamente, o
chanceler virou motivo de piadas, fortalecidas por suas constatações de que
o nazismo é de esquerda e que o aquecimento
global é um mito. Gargalhadas ainda mais fortes vieram quando Araújo foi visto
dando um chilique por não ter entrado no Salão Oval com Jair Bolsonaro.
Essas gargalhadas
foram acompanhadas por uma incompreensão diante da constatação de que, na
relação do novo Brasil com EUA, o velho princípio da reciprocidade na
diplomacia foi abolido.
Explosões de apoio a
Bolsonaro também foram registradas, como o discurso da embaixadora do Brasil na
ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo. Mas tão forte quanto as imagens da
diplomata abandonando uma reunião foi a reação interna de "vergonha"
expressada por muitos diante do ato da experiente embaixadora. Não faltaram
lágrimas de alguns deles, inconformados com a nova era.
Mas o tom no Itamaraty
mudou quando o chanceler declarou abertamente que não considerava 1964 como
um golpe.
A frustração já
latente de uma parte da corporação foi transformada em revolta e, em seguida,
traduzida em uma carta apócrifa, alertando para os riscos que tal postura teria
para a imagem do Brasil no mundo.
Ali, as palavras de
cerca de 40 diplomatas não fazem referência apenas a uma disparidade na
interpretação da história do Brasil. O recado é claro: a existência de um
mal-estar e da indisposição de um grupo dentro da instituição, que não está
mais disposto a representar uma postura antidemocrática.
Nos últimos dias, esse
grupo ganhou força, com sinalizações de apoio até mesmo por parte de diplomatas
mais conservadores que, antes das eleições, não apoiaram candidatos de
esquerda.
Num posto asiático, um
deles resumiu ao blog o sentimento que começa a ganhar força: "Não estamos
dispostos a deixar a ética e o bom-senso na chapelaria do prédio".
Para outros pela
Europa, Araújo é a "antítese da moderação" que marca o Itamaraty ao
longo de décadas. Também tem preocupado o tom agressivo das notas de imprensa,
que não deixam espaço para o diálogo, a essência do serviço diplomático.
Em Brasília, não são
poucos os embaixadores que ainda demonstram preocupação com o fato de o
Itamaraty estar sendo ridicularizado a cada mensagem nas redes sociais.
Depois de já ter
passado por uma erosão de sua influência sob o governo de Dilma Rousseff e de
viver uma espécie de isolamento por conta do caráter provisório do governo de
Michel Temer, o sentimento dos mais experientes é de que a atual gestão pode
"enterrar de vez" a credibilidade da instituição.
[Foto: ERIC
BARADAT/AFP – fonte: www.uol.com.br]
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Isac Nunes da Luz Cordeiro *** Tradutor Público e Intérprete do Comércio *** Idiomas: francês, espanhol, catalão e galego *** Matriculado na Junta Comercial do Estado do Paraná *** Curitiba *** República Federativa do Brasil
sábado, 6 de abril de 2019
Dissidência no Itamaraty ganha força e diplomatas se mobilizam
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