terça-feira, 10 de outubro de 2017

'Argonautas', de Maggie Nelson, é uma linda declaração de amor



A escritora americana Maggie Nelson
ARGONAUTAS (ótimo) 
AUTORA Maggie Nelson
TRADUÇÃO Rogério Bettoni
EDITORA Autêntica

Escrito por CAMILA VON HOLDEFER 

Aclamado no exterior, "Argonautas", de Maggie Nelson, chega ao Brasil fortalecido pelos comentários entusiasmados dos leitores. Aqui, o livro passa a integrar a Coleção Argos –coordenada pelo editor e tradutor Rogério Bettoni, ela reúne obras com temática queer.

Descontado todo o burburinho, "Argonautas" é uma linda declaração de amor.
Citando Roland Barthes, a escritora americana argumenta que aquele que diz "Eu te amo" é semelhante ao "Argonauta que renova seu navio durante a viagem, sem lhe mudar o nome".

As peças do barco seriam modificadas sem que o próprio barco se modificasse, e o mesmo aconteceria com o sentido da expressão. Isso porque "a tarefa do amor e da linguagem consiste em dar a uma mesma frase inflexões sempre novas".

É o que Nelson faz. Para isso, escolhe subverter e renovar uma série de práticas, ordens e sentidos, inclusive, ou sobretudo, os gêneros literários. Encadeando memórias, insights e citações de tamanho variável –cuja ligação nem sempre é aparente–, ela se dirige ao marido, o artista Harry Dodge.

Nelson fala sobretudo do casamento e da concepção do filho do casal. Enquanto o organismo de Maggie mudava com a gravidez, o de Harry, uma pessoa de gênero fluido, mudava com a terapia hormonal. Dois corpos que continuam a se descobrir, e a mudar, enquanto envelhecem.

Maggie questiona até que ponto se deve acolher ou rejeitar os rótulos. A conclusão é um meio-termo, embora "Argonautas" abra espaço para que "uma experiência de desejo individual preceda uma categoria".

Todo entusiasmo em torno de "Argonautas" se justifica, mas dizer onde reside seu encanto não é tarefa fácil. É visível que Nelson abomina o clichê: há sempre há um descompasso entre o que se espera que ela diga e defenda e o que ela de fato diz e defende a cada novo trecho. Mesmo os autores citados –que vão de Winnicott a Judith Butler–, às vezes ganham uma interpretação sui generis. O resultado é enigmático e singular, mas sobretudo belo.

Como Maggie Nelson intui depois de visitar uma exposição de fotografias, "nenhum conjunto de práticas ou relações detém o monopólio do que é dito radical ou do que é dito normativo".

Não importa no que acredita, como pensa, de que lado está e como enxerga a si mesmo, o livro é capaz de surpreender qualquer leitor. Para usar um clichê (justamente o que Nelson detesta, mas vamos lá), "Argonautas" é para quem está disposto e aberto a enxergar e a ver beleza no que não cabe em uma caixinha.

Afinal, "o limite do guarda-chuva cede lugar à amplitude do espaço aberto".



[Fonte: www.folha.com.br]

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