quinta-feira, 27 de julho de 2017

‘A tradutora’: bom de linguagem, ruim de personagem

Em 'A tradutora', Cristovão Tezza, um dos grandes nomes da literatura contemporânea brasileira, cria um livro com linguagem sofisticada, mas com uma protagonista que não convence.

Cristovão Tezza
Escrito por Petê Rissatti

Quando houve o grande hype de O filho eterno, cheguei até a comprar o livro, o pessoal aqui em casa leu e gostou, mas por algum motivo não me rendi ao burburinho e ao fato de ter ganhado tantos prêmios. Depois de um tempo, acabei lendo O espírito da prosa, uma espécie de autobiografia literária de Cristovão Tezza, e gostei muito da abordagem da própria obra em um livro curto, mas parrudo em sua proposta.
Eis que, no meu aniversário do ano passado, ganhei de uma grande amiga, uma tradutora chamada Beatriz (talvez, por acaso, o nome da protagonista), o livro A tradutora, o livro mais recente de Tezza. Quando comentei com algumas pessoas sobre o livro, quase todas foram unânimes: gostamos muito do Tezza, mas esse livro é uma bomba.
Não sou muito de me influenciar, pois sou bastante eclético com minhas leituras, gosto muito da chamada “literatura de entretenimento“, me amarro em um clássico, sou fã dos russos, mas também de uma boa ficção científica. Por isso, quando mergulho em um livro, tento sempre extrair o melhor dele, do esforço do autor, que às vezes deu o seu melhor naquele momento para escrever um livro que, se comparado a outras obras do mesmo escritor, empalidecem. Como eu não tinha uma experiência prévia da obra do Tezza, entrei sem esperar nem muito, nem pouco. E a obra me surpreendeu. Nem sempre positivamente.

Meu trabalho

Tem livros que mexem com a gente pelo fato de falar ao coração de várias maneiras. Em algumas situações, o livro é excelente, em outras decepcionante, mas quando alguém fala de uma realidade que é a nossa, sempre somos mais críticos. E no caso de A tradutora não foi diferente: fiquei à espreita das falhas e lacunas que deixassem a representação da nossa profissão menos crível e, nesse livro, infelizmente elas existem.
Mas também há muitas verdades.
Por exemplo, Beatriz é uma jornalista que acaba frilando e, entre seus trabalhos, está o de tradutora do espanhol ao português. Conheço muitas pessoas que acabaram na tradução por paixão, mesmo formadas em outras áreas, ou mesmo por necessidade ou a história do “a vida me trouxe até aqui”. E é isso que acontece com Beatriz. Que também é professora de idioma. E se vê intérprete da FIFA nas vésperas da Copa do Mundo de 2014.
Obviamente, esse é um pano de fundo criado pelo autor para que sua trama se desenrolasse, o que não é muito comum: uma tradutora editorial ser chamada para assumir uma interpretação, digamos, oficial. E outros pontos me fizeram duvidar da protagonista, e não apenas pontos relacionados à profissão. E isso pode significar a morte de um livro: quando o leitor põe a verossimilhança de um protagonista em dúvida.
Engraçado que, na minha opinião, o que dá um pouco de profundidade à Beatriz são as pessoas em seu entorno: a amiga Berenice, o namorado Donetti, o alemão Erik, o editor Chaves, até mesmo o autor que ela está traduzindo no momento em que conhecemos a personagem, Filip Xaveste, além do marido de uma amiga. Beatriz parece muito um autômato, sendo jogada de um lado para o outro ao sabor dos homens que aparecem à sua frente; no entanto, ela tem a ilusão (que fica muito clara em suas conversas com Berenice) de que está no comando.
E foi isso que me incomodou na personagem, pois, mesmo em seu íntimo, ela acha de verdade que está no comando da situação quase até o fim. E isso a deixou bastante rasa, na minha opinião.
A história em si é bastante simples, e sempre me encanta quem consegue tirar de uma história simples um bom romance (uma tradutora e professora de idiomas, atormentada por um namoro que está à beira do fim, é chamada para acompanhar um representante alemão da FIFA nas inspeções da Arena da Baixada, em Curitiba, antes da Copa do Mundo). E Tezza consegue isso. Mais em termos de linguagem, na minha opinião, do que em termos de criação dessa personagem.


[Foto: Guilherme Pupo - fonte: www.aescotilha.com.br]

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