William Zinsser (1922-2015), autor de 'Como Escrever Bem', em sua casa em Nova Iorque
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Escrito por
Sérgio Rodrigues
Estarei, estou
ou estive (depende da hora em que o leitor leia estas palavras) hoje às 10h na
Casa Folha, em Paraty, conversando com Mariliz Pereira Jorge, sob a mediação de
Sérgio Dávila, sobre "Como escrever bem".
Eu sei: o nome
da mesa é ambicioso à beça. O que restaura uma certa humildade é saber que se
trata de uma referência ao bom guia de escrita homônimo do jornalista americano
William Zinsser, que já comentei nesta coluna.
Um dia desses,
folheando o livro para reativar a memória, uma frase atraiu minha atenção:
"Se um escritor ignora alegremente que os clichês equivalem ao beijo da
morte, se ele (...) não faz o menor esforço para evitá-los, podemos inferir que
não entendeu o que dá vida a um texto".
A afirmação, que
não me impressionou da primeira vez, soa espantosamente verdadeira na
releitura. Gosto da forma como parece escalar nossa tendência universal ao
clichê - isto é, ao lugar-comum, ao chavão, à ideia pronta, à metáfora fóssil -
não só como defeito de estilo, mas como a própria pulsão de morte da expressão.
Se a linguagem
tem por definição sua cota de redundância, pois do contrário ninguém se
entenderia, uma medida de originalidade e espanto é fundamental para animar as
palavras, para fazê-las saltar do zunzum indistinto que nos entedia e ameaça
nos afogar. Vida e morte em luta perpétua no coração do texto.
Sempre restará
aquela questão fundamental: as dosagens da mistura são subjetivas, como, no fim
das contas, quase todas as decisões que se referem à escrita.
Cada escritor
tem um grau de tolerância ao caminho expressivo já trilhado por outros, num
arco em cujos extremos estão os que levam a busca da originalidade ao paroxismo
da maluquice hermética e os que chafurdam - "alegremente", segundo
Zinsser - na lagoa poluída do clichê.
A sensibilidade
com que os leitores julgam essa mescla também varia, claro. Algum tempo atrás
publiquei no Facebook uma condenação do clichê toda feita de clichês: "É
preciso abrir o olho com o lugar-comum. Ele dá mais que chuchu na cerca no
texto do escritor que não faz das tripas coração para reduzi-lo a pó".
A brincadeira ia
em frente - ou em parafuso: "De repente, num piscar de olhos, é tiro e
queda: lá está o clichê, a frase feita, a expressão convencional deitada no
berço esplêndido das mal-traçadas".
Um monte de lugares-comuns
depois, o gran finale assegurava que o clichê "está sempre pronto a nos
privar na calada da noite e com um drible seco e desconcertante de nosso mais
precioso bem, a originalidade da expressão, nos deixando de mãos abanando e a
ver navios no inverno tenebroso da linguagem".
Recebi por esse
texto um bom número de comentários de apoio enfático, o que não surpreende:
pouca gente está disposta a defender o clichê em público, a fama do bicho é
ruim demais. Curioso foi perceber que, claramente, alguns dos que concordaram
não tinham entendido que o texto era uma contradição explícita entre conteúdo e
forma, também chamada ironia.
Em outras
palavras, o sujeito endossava em tese a crítica aos chavões, aos ditos velhos
de décadas ou séculos, mas era incapaz de detectá-los, mesmo que eles viessem
na sua direção como uma horda de zumbis. Ninguém disse que seria fácil. Nem o
Zinsser.
[Foto: Damon Winter/The New York Times - fonte: www.folha.com.br]
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