segunda-feira, 17 de abril de 2017

Bob Dylan por Caetano Galindo

Em entrevista ao Homo Literatus, Galindo falou sobre o trabalho de tradução de Letras – 1961 a 1974, de Bob Dylan, sobre o merecimento do prêmio Nobel dado ao músico e sobre a tradução do romance incompleto de David Foster Wallace

Caetano Galindo
Escrito por VICTOR SIMIÃO
Falar sobre Bob Dylan, nos dias de hoje, é arriscar cair na mesmice de sempre. É dizer que ele é um grande poeta, um revolucionário, um visionário, um músico incompreendido. Por outro lado, há um lado do norte-americano que, se não carrega ares de novidade, ao menos ainda dá pano para manga – e pauta para o Homo Literatus: Bob Dylan, o ganhador do prêmio Nobel de Literatura 2016.
Com essa distinção, ao menos o mercado editorial brasileiro se concentrou em lançar e relançar obras do autor de Like a rolling stone e tantas outras canções do século 20. A editora Planeta relançou “Crônicas: volume 1”, que é a primeira parte da autobiografia do cantor lançada originalmente em 2004 no país, e “Tarântula”, uma mistura de prosa e poesia  publicada  nos anos 1970.
A Companhia das Letras não ficou atrás. Comprou os direitos do livro The Lyrics 1961-2012, que reúne todas as letras de Dylan, lançado em 2012, e dividiu em dois volumes. O primeiro, Letras – 1961 a 1974, acabou de ser lançado em edição bilíngue. A tradução é de Caetano Galindo, professor da Universidade Federal do Paraná, tradutor para o português de autores como David Foster Wallace (1962-2008) e James Joyce (1882-1941).
Professor de música na juventude, e um apaixonado pela arte, Galindo não era muito fã do homem de voz anasalada na adolescência. Musicalmente, o compositor de Mr. Tamborine man não tinha interessado o curitibano – o que mudou durante os trabalhos de tradução.
“Ele tem esse lado de transformação musical que eu já conhecia, já tinha uma ideia e achava interessante. Achava curiosa essa tendência dele, de se alterar e de se reinventar como músico. A maior surpresa, para mim, na verdade, foi perceber o quanto essa tendência também se aplica à produção lírica. O quanto as letras dos discos são diferentes umas das outras, de disco para disco, de projeto para projeto. Como ele passa de projetos com letras maiores e mais narrativas para logo na sequência fazer um disco de letras breves e mais líricas, para depois voltar no disco seguinte a uma lógica mais surreal, de imagens contratantes, e depois voltar para o mundo do folk ou do protesto. É um autor inquieto, interessado por buscar novas formas de dizer o que tinha para dizer, de expressar o que tinha para expressar”, disse.
O primeiro volume das letras já está nas livrarias. O segundo deve chegar em breve, pois a tradução já foi entregue.
Em entrevista ao HLpor meio do WhatsApp (sim, somos moderninhos!), Galindo falou sobre o trabalho de tradução, o merecimento do prêmio Nobel e sobre a tradução do romance incompleto de David Foster Wallace, “The Pale King”. 
1. Como essa tradução chegou até você?
A tradução chegou como encomenda editorial. Foi um projeto da editora. Logo depois do prêmio Nobel, eles me consultaram para saber da minha disponibilidade, do meu interesse. É como normalmente os projetos chegam no mundo editorial. 
2.Qual era o teu conhecimento prévio sobre Bob Dylan?
O meu conhecimento prévio do Dylan era mais parcial. Na minha adolescência ainda era uma coisa que tocava no rádio, se conhecia como parte do ambiente cultural geral da época. Mas não era parte dos meus gostos musicais maiores — e eu não tinha inglês suficiente para ter algum contato com ele como letrista. Na verdade, foi um grande buraco na minha formação. E foi uma coisa que fui resolver agora no processo de tradução. Que é uma oportunidade que a gente tem com bastante frequência no trabalho editorial, o de colmatar essas lacunas e de lidar com autores que a gente nem sempre conhecia tanto quanto deveria. Para mim, é algo que aconteceu mais agora do que ao longo da minha vida. 
3. Como foi traduzir aquele que é considerado um dos grandes poetas do século 20?
Foi uma experiência interessante, supereducativa. Ampliou muito a minha noção do que era a obra dele, do que é o impacto da obra, inclusive, sobre as várias gerações que já teve. A qualidade geral da produção, a variabilidade dessa produção, o quanto ele mudou de fases, mudou de abordagens, mudou de estilos ao longo do tempo,  foi uma experiência bem interessante, bem marcante na minha carreira. 
4. Você optou por traduzir os sentidos do Dylan, não a métrica ou algo do gênero. Por quê?
A opção por uma tradução de sentido, por uma tradução do O QUE se diz mais do que do COMO se diz, a opção, portanto, por evitar preocupações maiores com métrica, rima, com aquelas características mais estritamente poéticas do texto, foi de início uma decisão editorial. A pauta já me veio assim da editoria, era isso que eles queriam. Já era isso que eu tinha feito junto com o meu amigo Christian Schwartz, quando a gente fez as [traduções das] letras do Lou Reed – e eles consideraram um projeto bem-sucedido. Eles queriam repetir isso agora. De minha parte, confesso que sou um tradutor de poesia mais conservador, e fiquei um pouco ressabiado: às vezes pensando que ia se perder muita coisa porque boa parte do efeito desses textos deriva da junção do conteúdo com a forma. Mas à medida que fui traduzindo eu fui descobrindo realmente que o elemento narrativo, o elemento discursivo dessa poesia é tão vigoroso, e as imagens poéticas são tão fortes por si sós, que as letras sobrevivem muito bem a esse processo. Na verdade provavelmente perderiam muito se fossem traduzidas como poesia porque é sempre necessário sacrificar alguma coisa do conteúdo em nome de uma rima perfeita, em nome de obter uma adequação métrica: perde-se um adjetivo, acrescenta-se um advérbio pequeno para conseguir uma sílaba métrica a mais. De repente, sem essas amarras, eu consegui me dedicar a traduzir o “o que”, o sentido, e no fundo se revelou a melhor opção, a mais produtiva, mais interessante. Vai permitir quem quiser a usar o livro para acompanhar os discos como uma espécie de nota de rodapé e que as pessoas tenham contato com a obra do Dylan como literatura, de maneira independente, conhecendo plenamente esse discurso dele ao longo das décadas. 
5. A fase do Dylan desse primeiro volume é uma das melhores, a mais genial. Consegue ter um álbum preferido?
Eu não diria que eu tenho um álbum preferido, não. Eu fui acabando criando relações com algumas canções que já tinha previamente e algumas que fui descobrindo durante a tradução. Não há preferência por um álbum, em especial. 
6. Logo no início da carreira, nos primeiros 10 anos, Dylan se transformou muito: passou do folk ao rock, fez balada pop, voltou meio que para o folk e se isolou. Isso ficou claro nas letras dele. O que você pensa sobre isso, já que é um apaixonado por música?
Ele tem esse lado de transformação musical que eu já conhecia, já tinha uma ideia e achava interessante. Achava curiosa essa tendência dele, de se alterar e de se reinventar como músico. A maior surpresa, para mim, na verdade, foi perceber o quanto essa tendência também se aplica à produção lírica. O quanto as letras dos discos são diferentes uma das outras, de disco para disco, de projeto para projeto. Como ele passa de projetos com letras maiores e mais narrativas para logo na sequência fazer um disco de letras breves e mais líricas, para depois voltar no disco seguinte a uma lógica mais surreal, de imagens contratantes, e depois voltar para o mundo do folk ou do protesto. É um autor inquieto, interessado por buscar novas formas de dizer o que tinha para dizer, de expressar o que tinha para expressar. E simultaneamente de se adequar à cultura reinante e de contestar essa cultura reinante, também, das mais variadas maneiras, tanto em música quanto em poesia. Quanto ao fato de eu ser músico, vale uma nota de rodapé aqui: a bem da verdade, acho que essa foi uma das razões pela quais eu não me aproximei tanto do Dylan na minha adolescência. O fato de que ele, musicalmente, nunca me interessou tanto assim. Até por isso foi um projeto bem interessante, agora, lidar só com essas letras desprovidas das músicas. Várias das letras e músicas eu não conhecia. Frequentemente eu fui ouvir as músicas para ter uma noção de atmosfera, de abordagem geral. Mas em outros casos nem mesmo isso. Em outros casos, tratei essas letras como textos literários. E para mim isso foi bem interessante na medida em que essa primeira sedução, que seria a da canção como música, de fato, nunca aconteceu muito comigo. 
7. Já começou a tradução do segundo volume?
O segundo volume já está traduzido, está entregue à editora. Deve estar em preparação, já. Eu não sei qual é o prazo para eles lançarem, mas já tá na mão deles, não está comigo mais. 


8. Bob Dylan é superestimado ou subestimado?
Não sei se ele é subestimado ou superestimado. Acho que às vezes ele é pouco considerado, na medida em que as pessoas tendem a não pensar tanto nos autores de canção como poetas. Isso por vezes pode ser uma grande perda, como no caso dele. Superestimado? Não saberia dizer também. Acho que não. Acho que ele tem exatamente o lugar que merecia ter, especialmente na produção americana, onde ele é uma figura absolutamente central. 


9. Ele mereceu o Nobel?
Acho que sim. Certamente a obra dele merece, a forma-canção merecia ganhar um Nobel. Acho que foi mais do que merecido nesse sentido. E se fosse para alguém ganhar ele seria, de fato, o candidato mais óbvio. Falaram do Leonard Cohen (1934-2016), eu mesmo acho que o [Paul] McCartney podia ganhar. Mas acho que o Dylan é o melhor representante dessa tradição para ganhar neste momento. Se isso é merecido no sentido de ele ser o melhor escritor do mundo para ganhar o Nobel desse ano, o Nobel não funciona bem assim, né? E é justamente pelo Nobel não funcionar assim é que eu tenho minha única ressalva ao prêmio, que é: muito provavelmente uma geração de poetas e de autores de língua inglesa arrisca ficar sem ganhar esse prêmio porque a academia não dá tantos prêmios para a língua inglesa quanto a presença da literatura dessa língua faria supor. Provavelmente agora a gente vai entrar numa geladeira de uma década, de vários anos sem prêmios para a língua inglesa. É possível que outros autores, igualmente merecedores  – tão ou mais merecedores quanto Dylan, acabem por ficar esquecidos por essa premiação. Quanto ao prêmio para obra dele, de reconhecimento à obra dele, acho absolutamente cabido. 


10. Teu irmão, o jornalista Rogério Galindo, traduziu o “Tarântula”. Vocês conversaram ao longo das traduções que fizeram?
Sim, eu e meu irmão conversamos. A gente conversa direto sobre traduções, mesmo quando a gente não está traduzindo coisas interligadas. Trocamos algumas ideias, alguns palpites, algumas consternações, perplexidades e inspirações de dia a dia. Foi um projeto interessante,  totalmente coincidente. Nós recebemos o convite mais ou menos ao mesmo tempo, começamos a trabalhar nos projetos mais ou menos ao mesmo tempo. Foi um privilégio a mais. Gosto muito de trabalhar e discutir com meu irmão. Foi um privilégio grande fazer isso com ele. De certa forma também dá uma certa uniformidade aos dois projetos. 
11. Você leu o Tarântula ou o Crônicas do Dylan?
Não, não li o Tarântula e não li o Crônicas. Infelizmente, com a rotina que eu acabo tendo, o que eu leio é o que me chamam para traduzir, o que preciso ler para os meus projetos de pesquisa ou que os meus orientados estão lendo. Tenho menos margem de manobra do que eu gostaria para escolher o que vou ler. 
12. Como está a tradução do The Pale King? O que mais você tem traduzido?
A tradução deve ser entregue até o final do mês. Me faltam poucas páginas para terminar a minha primeira versão e ainda me falta fazer uma revisão inteira. Como foi uma tradução que foi feita picada, ao longo de vários anos, com outros projetos entrando no meio do caminho, isso vai levar algum tempo. Estou esperando conseguir terminar isso até o final do mês, no máximo até metade do próximo mês. Mas o projeto está encaminhado agora, está quase tudo feito já, em termos de primeira versão. E já estou considerando um trabalho em ritmo de conclusão, nesse momento. Sobre outros projetos, têm algumas coisas, mas infelizmente não posso mencionar muito ainda. Tem uns dois bem interessantes pela frente, mas ainda estão em fase de negociação, não posso sair fazendo propaganda agora.


[Foto: Theo Marques/Folhapress - fonte: www.homoliteratus.com]

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