Escritor
dribla disputas entre gramática normativa e linguística moderna em viagem
afetiva
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SERGIO RODRIGUES, jornalista e escritor que está lançando livro pela Companhia das Letras.
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Por BOLÍVAR
TORRES
Para Sérgio Rodrigues, os debates públicos sobre o uso da
nossa língua andam meio chatos. Muitos falam e ninguém se ouve. Parecem até um
“diálogo de surdos”, escreve o jornalista e romancista mineiro, na introdução
de seu “Viva a língua brasileira!” (Companhia das Letras), que será lançado no
Rio nesta segunda. Reunião de crônicas e pensatas publicadas na imprensa nos
últimos 15 anos, o livro, que tem ilustrações de Francisco Horta Maranhão, traz
verbetes lúdicos e um “olhar de escritor” sobre o português falado no Brasil.
Oferece dicas, tira dúvidas gramaticais, desfaz mitos e expõe erros comuns, mas
também coloca em pauta os principais desafios, disputas e polêmicas do idioma
na atualidade. Tentando driblar o confronto entre as diferentes patrulhas, faz
uma declaração de amor à última flor do lácio, como se só ela pudesse nos salvar
da intolerância.
— Em todos
esses anos escrevendo sobre a língua portuguesa, busquei um caminho do meio,
que desse conta de uma versão mais global e que promovesse a conversa um pouco
de um lado e um pouco de outro do debate — explica Sérgio. — Em muitos casos,
há verdade nos argumentos dos dois lados da disputa, mas parece que eles não se
falam. Comportam-se como facções de uma guerra linguística. Acho que tem a ver
com a polarização geral de hoje, faz parte de uma doença cultural maior. Neste
sentido, o Brasil precisa urgentemente reencontrar uma linguagem comum que
permita discutir civilizadamente oposições apegadas a suas verdades.
Nos fronts
dessa guerra, Rodrigues identifica dois grupos especialmente intransigentes: os
puristas e os “vale-tudistas’’, os que tratam a língua apenas como uma soma de
regras estanques e os que menosprezam qualquer uso formal. O primeiro é fechado
a novidades, preso ao velho português e a “regrinhas que não fazem mais sentido
nem mesmo em Portugal”; o segundo se apoia em estudos modernos para apagar as
fronteiras entre o certo e o errado.
O autor
lembra, por exemplo, da recente polêmica sobre “preconceito linguístico”, muito
representativa dos impasses no debate de hoje. Em 2011, o Ministério da
Educação adotou o livro didático “Por uma vida melhor”, que tratava as
variações linguísticas como algo normal, ensinando que expressões como “nós
pega o peixe” ou “os menino pega o peixe” poderiam ser usadas no cotidiano,
mesmo estando incorretas do ponto de vista gramatical. O conteúdo da apostila
enfureceu os puristas, ao mesmo tempo em que ganhou defesas apaixonadas
daqueles que veem o uso da norma culta como um instrumento de dominação de
classe.
— Ambos tinham
razão parcial, mas ficaram só gritando, sem a menor disposição de compreender
os argumentos — observa o escritor. — Desse jeito, contribuições importantes
que podem ser dadas ficam travadas.
Autor de
romances como “O drible” (vencedor do Grande Prêmio Portugal Telecom 2014),
Sérgio faz questão de dizer que sua abordagem do português não é a de um
linguista, mas a de um escritor. Ainda assim, este não é seu primeiro livro
sobre o tema. A sua coletânea de crônicas “What língua is esta?” (Ediouro), de
2005, também buscava um caminho equilibrado entre a gramática normativa e a linguística
moderna. Em “Viva a língua portuguesa!”, porém, ele se volta mais para as
“dúvidas reais”, com uma preocupação evidente em conversar com elas.
Sua
investigação vai do didatismo à provocação. Parte de dúvidas simples sobre
escrita (“paraolímpico ou paralímpico?”, “Antártica ou Antártida”) e
pronunciação (“gratuíto ou gratúito?”), mas também tenta desmontar ideias
prontas de grupos que ele identifica como “sabichões”, “politizados”,
“enrolões”, “anti-intelectuais” e “anglocêntricos”.
NEM SEMPRE TUDO É O QUE PARECE
Aberto a
nuances e variações, seus verbetes mostram que, em se tratando de língua, nem
sempre tudo é o que parece. Velhas certezas caem por terra a todo momento e
supostos “erros” propagados por patrulheiros podem se revelar mais errados do
que o uso comum. Um exemplo: não faltam detratores da opção brasileira pelo
termo “a mídia” no lugar de “os média” (adotado do latim pelos portugueses).
Para os críticos, sua pronúncia anglófona denotaria nossa subserviência
cultural. A análise “desapaixonada” de Sérgio, porém, aponta para outra
direção: o brasileiro importou “mídia” para dar conta de um termo que nunca
existiu no latim original, mass media. Tanto Portugal quanto Brasil, portanto,
encontraram “soluções diversas baseadas em diferentes interpretações do termo
de origem”. Uma até pode ser melhor do que a outra, mas a acusação de
colonialismo não se sustenta.
Homenagem a
“Viva o povo brasileiro”, o romance monumental de João Ubaldo Ribeiro sobre a
construção da identidade nacional, o título do livro ressalta que o objeto de
análise é mesmo o português falado no Brasil, e que ele precisa ser
“interpretado e entendido” como tal. Não se trata, contudo, de uma declaração
de independência, garante o autor. Sérgio é um entusiasta de uma maior
aproximação entre o português dos dois países. Tanto que defende o novo Acordo
Ortográfico, que, apesar dos esforços dos governos Lula e Dilma, ainda enfrenta
resistências no mundo lusófono.
— O Acordo tem
um monte de coisa errada, mas a ideia vale — argumenta. — Não vai resolver todo
o problema, mas vai ajudar na queda das fronteiras culturais. Sinto inveja dos
escritores de língua espanhola, dos livros argentinos, mexicanos e chilenos que
chegam na Espanha ou outro país de língua espanhola sem nenhuma dificuldade.
[Foto: BEL PEDROSA – fonte: www.oglobo.globo.com]
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