Escrito por Patrícia Peck
O Brasil vive um momento de crise moral e ética que é muito mais
grave que a crise econômica, pois sua mudança exige investimentos em
educação e combate à impunidade. De certo modo, com o tempo, vamos
recuperar a confiança dos investidores internacionais e o País voltará a
crescer. Mas, além disso, precisamos, principalmente, resgatar o
compromisso com a transparência e o cumprimento das leis, que são
requisitos para uma sociedade mais segura, saudável e sustentável.
Temos visto a escalada da violência na internet nacional, praticada
pelos próprios usuários, uns contra os outros, com discursos de ódio,
racistas e discriminatórios, acompanhada do maciço aumento dos crimes
eletrônicos, que se tornam cada vez mais ardilosos e sofisticados.
Vivemos, na verdade, uma “internet do terror”, extremamente perigosa
para crianças e adolescentes, que não deveriam de forma alguma navegar
sozinhos nesta rua digital repleta de pedófilos que ficam à espreita
para atacar nos jogos on-line.
A insegurança digital cresce na mesma medida em que os brasileiros
têm acesso aos dispositivos móveis, pois faltam campanhas públicas de
conscientização sobre segurança da informação que ensinem as pessoas
como se proteger nesta sociedade conectada. Aumentaram os casos dos
novos golpes que envolvem aplicativos falsos gratuitos nas lojas
oficiais da Apple Store e Google Play para disseminar vírus e arquivos maliciosos em celulares e tablets, do ataque chamado rasomware, em que há o sequestro dos dados com senha ou criptografia e, ainda, o fake trade
que envolve a prática de falsa identidade empresarial para negociar
importação ou exportação de produtos ou serviços de grandes empresas
brasileiras junto ao comércio internacional, com negociações
fraudulentas por e-mail e telefone.
A recente Lei do Marco Civil da Internet (nº 12.965/14) determinou
que o direito de conectar-se é um direito essencial de cidadania do
brasileiro. No entanto, inclusão digital sem orientação é risco! Apesar
de esta legislação dispor sobre o dever público de realização de
campanhas educativas, ainda falta vontade política para executar estas
ações que poderiam gerar um grande resultado no aumento da proteção dos
indivíduos e dificultar as ações dos criminosos nos meios digitais. Com
efeito, a população bem preparada e treinada torna-se mais vigilante e
consegue evitar os novos perigos digitais.
Portanto, precisamos que os três poderes, Executivo, Legislativo e
Judiciário, operem de forma harmônica e integrada, cada um cumprindo com
o seu papel. Ainda, é necessário ser implementado um plano de educação
continuada através da criação de cursos que possam atualizar as
autoridades sobre estes novos temas tecnológicos que desafiam o Poder
Público.
Ainda precisamos de leis mais completas e severas para combater o
crime eletrônico e estabelecer um modelo punitivo mais adequado a este
novo perfil de bandido versão 3.0 (que já ataca em aplicativos e mídias
sociais). Há necessidade de harmonizar as leis, para que sejam removidas
algumas incoerências, como as trazidas pelo Marco Civil da Internet
que, de certo modo, acabou por limitar o poder de polícia e a atuação do
Ministério Público na investigação de autoria, retirando sua autonomia
para resposta imediata.
No tocante às leis, há muitas condutas ilícitas que não foram
devidamente tipificadas, o que acaba favorecendo o crime eletrônico,
tais como o estelionato digital, a criação de vírus e arquivos
maliciosos. Também há condutas que deveriam prever punição maior, pois
as penas baixas contribuem com a impunidade, como ocorre na prática de
crimes de falsa identidade, falsidade ideológica e documental na web.
Grande parte das fraudes tem, justamente, este elemento no seu modus
operandi.
Muitos casos de crimes eletrônicos não resolvidos ou em que o
infrator ficou impune se devem ao fato de que nosso modelo de identidade
é extremamente falho no Brasil e não temos uma identidade digital
obrigatória, que permita que saibamos quem é quem do outro lado da tela,
da interface gráfica. Infelizmente, é muito fácil ser qualquer um, se
passar por outra pessoa ou agir de forma anônima na internet no âmbito
nacional. E tudo isso se torna uma vantagem para as quadrilhas agirem.
Também precisamos de uma autoridade pública capacitada, com
ferramentas tecnológicas capazes de fazer o policiamento digital da
internet de forma preventiva e com poderes para agir imediatamente ao
sinal de um ilícito ou incidente, para pegar os infratores em flagrante
on-line, literalmente, com a “mão na máquina”.
Precisamos estabelecer o procedimento de revista digital para verificar dispositivos como celulares e tablets
de indivíduos suspeitos no momento da abordagem policial, o que já foi
implantado em muitos países, como Estados Unidos e Inglaterra (desde as
Olimpíadas de Londres), haja vista que a evidência do crime não estará
anotada em um papel no bolso, mas, sim, muito provavelmente, em
mensagens trocadas via WhatsApp, por exemplo, no celular do indivíduo.
O Judiciário precisa estar preparado com varas especializadas para
poder julgar com maior técnica e mais rapidamente os casos digitais que
exigem uma justiça em tempo real. E o Executivo precisa de ações que
permitam maior proteção da população, especialmente com a realização de
campanhas educativas. Por que, quando alguém adquire um celular, já não
recebe junto uma cartilha com orientações sobre os cuidados para o uso
seguro do equipamento? Por que as indústrias de telecomunicação e
tecnologia, diferentes das demais, não têm o dever de orientar na
segurança do uso de seus produtos e serviços? Por que algumas proteções
não são requisito de fábrica, como ocorre com a indústria automotiva?
Afinal, o antivírus é o cinto de segurança da era digital. Não se pode
ficar sem ele.
A Sociedade Digital trouxe como grande mudança para todos nós o fato
de que tudo fica documentado! Logo, vivemos a era da prova escrita e das
“testemunhas máquinas”. Se pudermos nos reorganizar, há condições
técnicas e jurídicas propícias para que o Brasil se torne um país mais
seguro.
Tudo o que se publica em ambientes digitais, inclusive em
comunicadores instantâneos, mensagens de celular e aplicativos, como o
WhatsApp, fica documentado. E a prova escrita é sempre mais forte do que
a prova oral. Hoje, o crime tipificado pelo Código Penal brasileiro é o
de difamação, que seria você expor a honra ou a imagem de uma pessoa
pela internet, e que poderia ser associado a outros, como discriminação,
incitação ao crime, ameaça. A liberdade de expressão tem que ser
praticada com responsabilidade. Muitas vezes é uma questão de escolha
certa do conteúdo para expressar um pensamento que, mesmo que seja uma
crítica, tem que ser manifestada de forma respeitosa, para não ser
considerada abuso de direito. Sem educação em ética e leis, corremos o
risco de a liberdade de expressão e o anonimato digital tornarem-se
verdadeiros entraves na evolução e sustentabilidade da sociedade
digital, pois tornam o ambiente da internet selvagem e inseguro.
Não podemos confundir liberdade com irresponsabilidade. Uma coisa é
dizer que não gosta de uma pessoa, não aprova a conduta de um político,
outra coisa é xingar, comparar a pessoa com animais de forma pejorativa;
isso é abuso e tem que ser coibido. O dano à honra é irreparável e a
reputação não tem preço. O que mais prejudica a liberdade de todos é o
abuso de alguns, a ofensa covarde e anônima. Isso não é democracia. Não
podemos continuar coniventes com as más práticas e a impunidade, o que
tem gerado uma imagem muito ruim do Brasil e dos brasileiros perante a
comunidade internacional, prejudicando inclusive nossos negócios e a
economia.
Sem comentários:
Enviar um comentário