Estação Sé
do metrô de São Paulo, 18h e tal. Depois de deixar passar seis trens, sou
"entrado" no vagão da frente, destinado aos "portadores de
necessidades especiais", gestantes e idosos, os quais em todas as placas
país afora são caracterizados como seres frágeis, gibosos, sustentados por uma
bengala. Não é bem esse o meu caso, embora o RG me ponha no grupo...
Mal as
portas se fecham, um senhor de cabelos brancos puxa conversa com uma jovem.
"Tá muito cheio, mas já pensou se o metrô não existisse? Se não fosse o
Maluf..." A moça retruca: "O Maluf é ladrão". E o senhor:
"Ele rouba, mas faz". A conversa continuou. Quando desci, cinco
estações depois, o senhor ainda tentava convencer a moça de que Maluf é o tal
ou, como diria Obama, é o cara. Libera nos, Domine!
Vamos ao
busílis: que diferença o caro leitor vê entre "Rouba, mas faz" e
"Faz, mas rouba"? Não é difícil deduzir que a ordem das orações deixa
claro o que o emissor da frase acha mais importante.
Quem diz
"Rouba, mas faz" não dá lá muita importância à existência da
roubalheira, que, ao que parece, é vista como algo imanente ao processo
político, à administração pública etc. O que importa é "fazer".
Quem diz
"Faz, mas rouba" põe em evidência o senão, a mácula, a nódoa, a
roubalheira, embora reconheça que o gatuno "faz".
Muita gente
acha que o bordão foi criado quando Maluf ascendeu a cargos no executivo, mas
isso é tão falso quanto dizer que foi ele que fez o metrô de São Paulo, o
oceano Atlântico, a Lua, Marte e Plutão.
O
"rouba, mas faz" já era frase circulante no tempo de Adhemar de
Barros (1901-1969). Lembro que, quando só comandava algumas prefeituras Brasil
afora, o PT usava o bordão "Faz e não rouba". Rarará!
É mister
dizer que frases como "Rouba, mas faz" mostram que o roubo está nas
entranhas do Brasil -nas engrenagens do Estado e no caráter de boa parte do
povo. "Se fizer, pode até dar uma roubadinha" é o que está por trás
do porco aforismo encampado por significativa parcela do "tal de povo
brasileiro", como diria o grande Clóvis Rossi.
Também é
mister notar qual é o sentido que a turma do "Rouba, mas faz" dá ao
"faz". Para essas pessoas (que, arrisco dizer, são majoritariamente
da velha guarda), esse "faz" está sempre atrelado a
"obras", ainda que sejam, por exemplo, viadutos que ligam o nada ao
nada. O importante é "fazer". Com algumas (ainda poucas) exceções,
cultura, educação e afins passam longe do "faz". "Não dão
voto", dizem muitos dos nobres cavalheiros do PA, do PB, do PC, do PD, do
PE, do PF, do PX e do PZ. Libera nos, Domine!
Mas voltemos
ao papel da oração que começa com o "mas". Esse conectivo integra o
time das conjunções adversativas, lembra? Relembro a listinha: "mas,
porém, contudo, todavia, entretanto...". Lembrou? Convém fazer algumas
observações: no Brasil, uma frase como "Faz, entretanto rouba" é
vista e entendida como equivalente a "Faz, mas rouba" (ou "Faz,
porém/contudo/todavia/no entanto rouba").
Em Portugal,
não ocorre o uso de "entretanto" como conjunção adversativa, como no
exemplo visto acima. Lá, "entretanto" ocorre como advérbio,
equivalente a "entrementes", "nesse ínterim", "nesse
meio-tempo" ("Houaiss"). Esse uso ocorre também no português do
Brasil, em textos antigos. É isso.
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