A música não possui mais o mesmo impacto de antigamente, mesmo ela ainda sendo criada num ambiente que não difere tanto do que originou o que hoje chamamos Classic Rock.
Nossos tempos modernos e agora virtuais possivelmente geraram mudanças tanto nas pessoas que criam música quanto nas que a ouvem.
Por FÁBIO MOON
A criatividade não possui limites, mas determinados cenários parecem capazes de funcionar como um estímulo ou como fonte de apatia.
A década de 1920 na França é conhecida como “os anos loucos” devido à frouxidão nos valores morais, que representou uma explosão de mudanças comportamentais e culturais. Aquele ambiente de grande liberdade e de profundo alívio após o fim da 1ª Grande Guerra parece ter sido o combustível daqueles anos movidos a jazz.
Já nos anos 60 tivemos um pico alto de extrema criatividade musical em toda parte. O terreno era muito fértil e a experimentação parece ter sido quase obsessiva por parte de alguns artistas/bandas. Como exemplo, entre 1963 e 1970 fomos da singela Love Me Do (The Beatles) à soturna N.I.B. (Black Sabbath). No Brasil não foi diferente; no mesmo intervalo de 7 anos, fomos da bossa praiana Garota de Ipanema (Tom Jobim e Vinícius de Moraes) à Apesar de Você (Chico Buarque) contra a ditadura.
Contudo, esse período foi marcado pela guerra fria, ameaça nuclear, guerra do Vietnã, golpe militar, censura, repressão fortíssima no ambiente estudantil e cultural, dentre outros fatores que resultaram em contestação e quebra de valores e tabus. Se nos anos loucos da França a paz emergente impulsionou a criatividade, nos anos 60 foi a tensão, a ameaça e a diminuição da liberdade que empurraram a vanguarda da música.
Nesse cenário nublado, o rock em especial passou a buscar ao mesmo tempo estruturas musicais mais complexas e letras que flertassem com o existencialismo ou que contestassem o status quo, e praticamente toda a produção dessa época foi alçada à condição de “clássica” tanto pela imprensa especializada quanto pelo público, e nesse ponto, as gerações posteriores àquele período reforçaram (e ainda reforçam) esse rótulo de “Classic Rock”.
Saltando dos anos 1960 para 2015, vimos outros movimentos musicais e principalmente tecnológicos que impactaram profundamente a forma como experienciamos a música. MP3 e Internet talvez sejam os mais emblemáticos pois representam a completa facilidade de acesso ao universo musical – coisa inédita em quase um século da então indústria musical. O primeiro representa a possibilidade de se copiar o original infinitas vezes com altíssima fidelidade e sem a necessidade de equipamentos caros – coisa impossível nos tempos do vinil. O segundo representa a difusão total daquelas cópias de modo rápido, fácil, barato e praticamente ilimitado.
Se nos anos 90, antes da popularização da internet, era difícil ter acesso a uma banda como Sonic Youth numa cidade pequena do interior, hoje em dia é possível conhecer bandas obscuras da Islândia.
Contudo, parece que essa facilidade toda diminuiu a capacidade do público de se emocionar e de se envolver com mais profundidade. Qual seria a explicação para as bandas novas não lotarem estádios? Tirando algumas poucas exceções, apenas as bandas já consideradas antigas fazem shows de arena.
É claro que nós ainda nos emocionamos com shows, mas não seria exagero dizer que a emoção do jovem ao comparecer a um show do Led Zeppelin nos anos 70 provavelmente era muito maior que a do jovem que vai a um show do Imagine Dragons em 2015. E isso não está sendo dito com base num saudosismo romântico piegas, mas sim porque naquela época as pessoas não eram inundadas com fotos, vídeos e notícias sobre os artistas o tempo inteiro na TV, nas revistas ou na internet. Como hoje tudo é excessivamente divulgado constantemente, a sensação de distância entre público e ídolo parece ser menor.
Por isso, por mais que tenhamos ainda hoje artistas que causem furor por onde passam, o efeito da chegada dos Beatles nos Estados Unidos e a beatlemania que se seguiu (o filme Febre de Juventude, do Robert Zemeckis é uma referência deliciosa disso) é algo que possivelmente a humanidade não verá mais naquela exata dimensão em se tratando de bandas novas.
Paralelamente a isso, a diversidade musical parece ter minguado nesses tempos atuais. Justamente quando a internet e a popularização dos equipamentos de gravação indicavam que teríamos uma explosão de criatividade ao redor do globo, o que tivemos foi um mar de artistas que emularam outros artistas que conseguiram um destaque muito grande na mídia.
Nos anos 80, toda cidade teve pelo menos uma imitação de Legião Urbana. Nos 90, um dos grandes imitados da vez foi Chico Science e Nação Zumbi. Com a explosão do acesso à internet, era possível pensar que isso não aconteceria mais, porém temos até hoje uma constelação de imitadores explícitos dos Los Hermanos, Strokes, Franz Ferdinand etc.
Essas bandas conseguiram uma projeção incrível, porém se esperava o surgimento de outras 30 bandas diferentes que também tivessem grande projeção.
Mas não: num mundo em que a música realmente se tornou um oceano infinito de artistas e quase sem pontos de referência devido à ruína da sua estrutura de “indústria” como conhecemos décadas atrás, as novas bandas tentam se aproximar justamente dessas poucas ilhas almejando a projeção que elas têm.
Com isso, os modismos musicais estão durando muito mais tempo do que deveriam e a oxigenação da criatividade está cada vez mais lenta. Aquele mesmo intervalo de 7 anos hoje em dia está a um abismo de produzir tamanha diversidade musical se compararmos com o que houve nos anos 60, e isso é perturbadoramente absurdo, pois hoje temos mais tecnologia, mais acesso à informação, mais técnica musical, mais canais de difusão da música que atingem todo o planeta, possibilidades de trabalhos compartilhados etc.
Se por um lado o mundo atual continua sendo turbulento, agressivo e até mais complexo que nos anos 1960, por outro, estamos num período de grande superficialidade social em que nossas relações já são classificadas como líquidas, sem parâmetros definidos ou bem estabelecidos.
É possível que a nossa relação com a música tenha sido diretamente afetada por essa mudança social, seja na condição de apreciadores, seja na de criadores.
Da mesma forma que descartamos produtos e pessoas no Tinder, descartamos músicas e artistas sem que tenhamos estabelecido um mínimo envolvimento além do superficial e ligeiro. Se antes a música era apreciada como um vinho de boa safra, hoje é consumida como cerveja barata para churrasco.
Assim sendo, infelizmente é fácil perceber que em relação a 20 anos atrás, hoje há ainda menos indícios da existência de um ambiente favorável ao surgimento de novos artistas que causem a mesma comoção equivalente à causada pelos Beatles, The Who ou The Doors.
Nesse mesmo caminho há ainda a percepção de que sequer o público tem interesse no surgimento de novos artistas tão viscerais ou em descobrir os que estão eventualmente escondidos por aí. Como bem já pontuou Nick Hornby (autor do livro Alta Fidelidade, transformado em filme com John Cusack no papel principal – se não viu, veja ontem!) em uma entrevista: o público alçou artistas como Jimi Hendrix ao patamar de Beethoven e Mozart. Isso já seria suficiente para suprir a necessidade que temos de rock, por exemplo, e por isso nos desinteressamos da busca de novas sonoridades.
Há mais de uma década temos todas essas condições e ferramentas incríveis que possibilitam a ocupação de um universo inteiro pela criatividade musical. Porém, em vez de nos lançarmos numa corrida para o preenchimento desse vácuo, ainda estamos aqui olhando para trás e para os lados devido ao medo ou ao desânimo de olharmos para frente.
[Fonte: www.obviousmag.org]
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