De modo geral, não posso queixar-me dos meus leitores.
São tantas as mensagens gentis, afetuosas, calorosas, comovidas e comoventes
que as poucas desaforadas acabam sendo assimiladas como parte inevitável do
processo. Gosto mesmo é das boas mensagens críticas, escritas em tom educado,
civilizado, que me levam a refletir sobre o trabalho e a tentar melhorar
sempre.
Há também as mensagens
baseadas em leituras que soam equivocadas, sobretudo quando, para disparar as
suas críticas, o leitor "enxerga" apenas uma parte do texto –a parte
que lhe convém, é claro. Exemplo disso é a mensagem de Felipe de Moura Lima, de
Amparo-SP (Painel do Leitor de 22/03/2015). Diz o leitor que estou "mais
para um títere do tucanato do que para cientista social". Diz ainda que,
recentemente, culpei Dilma "por não dar fim aos trotes
universitários".
Moura se refere a duas colunas
recentes, a saber: "O trote e o nosso incurável atraso", de 26/02, e
"Machado, Collor, Dilma..." , de 19/03. Vejamos o que escrevi na
primeira coluna: "Dilma Rousseff, que foi torturada, não entende ou finge
que não entende que trote é tortura. Nem ela nem todos os presidentes
anteriores a ela. Nem eles nem todos os ministros da Justiça da história deste
infame país...".
Se o leitor não viu direito,
vou tentar ajudar, com o mais elementar recurso pedagógico, o da repetição:
"Nem ela nem todos os presidentes anteriores a ela". Como se vê,
culpei Dilma e poupei os demais presidentes, sobretudo o tucano FHC.
Na segunda coluna, a partir do
capítulo 31 ("A Borboleta Preta") de "Memórias Póstumas de Brás
Cubas", do grande Machado de Assis, traço uma ponte entre o texto
literário e vários capítulos recentes da política do Brasil e, sobretudo, entre
o texto literário e as desculpas de eleitores e políticos diante do que é
evidente, inegavelmente evidente e evidentemente inegável.
Eis o que escrevi: "Dilma
e os seus marqueteiros fizeram uma campanha vergonhosa. A infame peça sobre o
que a carola Marina 'faria' com o BC transformou em catecismo a também infame
peça de 2002 do PSDB sobre o medo"; "As 'acusações' de Dilma e sua
txurma de que os não menos santos tucanos fariam o que Dilma agora tenta fazer
e não consegue lembram o que Collor disse que Lula faria e que ele (Collor)
fez".
Talvez seja o caso de explicar
ao(s) leitor(es) que existe uma figura de retórica chamada "ironia",
que consiste em dizer algo que no contexto tem significado exatamente oposto ao
que tem habitualmente. Em outras palavras, a passagem "os não menos santos
tucanos"... Bem, acho que chega, não? Depois disso, só falta desenhar.
Talvez seja o caso também de
explicitar que, em 19/03, na passagem "...transformou em catecismo a
também infame peça de 2002 do PSDB sobre o medo", há uma referência à
patética peça da campanha tucana de 2002, em que se tentava repetir o que
Collor já fizera em 1989, ou seja, a disseminação da tosca ideia de que o PT no
poder significaria o caos total ou de bobagens carregadas de uma idiotice sem
fim, como aquela que dizia que todos os que tivessem um quarto vago em casa
seriam compelidos a receber um sem-teto etc., etc., etc. Em 2014, com a
vergonhosa peça de Dilma sobre o que a carola Marina "faria" com o
Banco Central, o PT conseguiu ser mais ridículo do que o PSDB.
Como se vê pelo que escrevi,
sou mesmo um títere do tucanato. E, é claro, sou também o papa. É isso.
[Fonte: www.folha.com.br]
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