domingo, 23 de novembro de 2014

Campanha #TakeDownJulienBlanc repercute no Brasil; governo anuncia veto ao visto do “instrutor”

Escrito por Mariana Parra

#TakeDownJulienBlanc. Foto da página do Facebook “Conspiração dos Unicórnios Satânicos Pela ditadura Comunista Gay e Feminazi”.
A visita de Julien Blanc ao Brasil para a realização de palestras sobre como “pegar mulheres” seguiu o exemplo do que aconteceu em outros países [1] e causou grande comoção nas redes sociais. Um abaixo-assinado [2] contra a sua visita reúne até o momento mais de 350 mil assinaturas. A resposta do Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores no Brasil) foi rápida: o órgão já anunciou o veto [3] ao visto do norte-americano apenas dois dias após o lançamento da petição.

Julien Blanc [4] daria duas palestras no Brasil em janeiro, no Rio de Janeiro e Florianópolis, cobrando US$ 800 por ingresso. Ele é coach da Real Social Dynamics [5], empresa que se autointitula “líder internacional em dicas de conquista”, e defende abordagens violentas para a “sedução” de mulheres. O perfil Ozomexplicanista [6] divulgou alguns dos tuítes da conta do norte-americano, que a tornou privada depois que suas “táticas” se tornaram mundialmente conhecidas:

Julien Blanc LMR[7] “RUH = Resistência de Última Hora. Primeiro você ganha intimidade, alegando que não é sexual. Então você a estupra fazendo parecer que intimidade significa consentimento sexual.”

“Cara, eu vou te ensinar como “despedaçar” a falta de consentimento dela. Pague-me e estupre todas elas.”
Julien Blanc don't worry[8] “Não se preocupe. Eu apenas abuso de mulheres”.

O discurso de violência e a defesa aberta do estupro foram o mote para pedir o veto a entrada de Blanc, que foi deportado da Austrália [9]  após pressão da sociedade civil deste país. Movimentos parecidos também estão sendo realizados no Reino Unido[10], no Canadá [11] e no Japão [12] para o cancelamento de suas palestras e impedimento da sua entrada.

A professora Lola Aronovich, do blog feminista Escreva Lola Escreva, reproduziu um comentário [13] de um de seus leitores que tem acesso à comunidade de “pick-up artists” no Brasil, relatando o perfil do público frequentador do tipo de palestra dada por Julien Blanc.
“O grupo PUA Brasil é antigo, forte, bem organizado. Eles realizaram eventos cobrando R$ 500 o ingresso. 
Eu passei horas lendo o que essa turma do PUA Brasil escreve. Grande parte é isso ai mesmo: estupro de vulnerável. Técnicas de conquista, sedução, sedação e como não deixar indícios de violência sexual e não criar imagem de malvado, transferindo para a mulher por meio de técnicas subliminares elaboradas a responsabilidade pela relação. [...]  
A principal vítima desses PUAs são pré-adolescentes que atingiram a idade de consentimento, 14 anos. Elas são mais fáceis de ser conquistadas e têm vergonha de expor a violência.”
No site da Avaaz, as organizadoras da petição [2] falaram sobre o significado dessa campanha:
Essa petição não é uma causa só para que Julien Blanc não entre no Brasil, gira em torno de uma causa maior: O Combate à violência contra a mulher, pois não podemos suportar mais e é uma prova de que estamos juntos para combater isso!
Para a blogueira feminista Nádia Lapa [14], do Cem Homens em Um Ano, o boicote deve ser estendido àqueles que patrocinam a turnê de Blanc:
Ainda precisamos descobrir quem está patrocinando os eventos no Brasil e manifestar nosso repúdio e boicote. O que não precisamos é de uma convenção de homens que odeiam as mulheres.
Violência e cultura do estupro

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher é estuprada no Brasil a cada 10 minutos [3]. O Mapa da Violência de 2012, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, mostrou que 43 mil mulheres foram assassinadas no Brasil em 10 anos [15], número alarmante, apesar dos avanços [16] na legislação e políticas públicas para a violência de gênero.

A psicóloga e blogueira Luciana Nepomuceno ressalta a importância [17] de se analisar a situação para além do “choque” com a explícita defesa do estupro e de táticas agressivas para a “conquista de mulheres” realizada pelo norte-americano: 
A existência dele e de um curso assim é possível apenas porque a nossa sociedade trata a mulher como um ser “menos que” o homem. Menos humano. Menos sujeito de direitos. Ele tá na paleta entre o estuprador em série e o cara que faz piada com os amigos dizendo que “mulher quando diz não, é talvez, e quando diz talvez, é sim”.
Alguns debates [18] também giraram em torno do comportamento feminino, que às vezes “aceita” abordagens violentas e opressoras. Numa das postagens do perfil Ozomexplica, Thatiana Oliveira [19] comenta:
Pois é, o que existem são mulheres reproduzindo o machismo, pois foram (des)educadas a pensar que só serão alguma coisa com um omi do lado (e todos seus privilégio$ de omi)… Essa.merda toda é um círculo vicioso e não sei o que é mais difícil desconstruir :(
A mobilização em vários países contra tais “palestras” demonstram o crescente repúdio à cultura do estupro, num cenário onde a violência contra a mulher segue em níveis alarmantes [20], inclusive em países desenvolvidos, como mostrou uma pesquisa[21] recente realizada pela União Europeia. Como apontou Luciana Napomuceno: 
Eu acho que as estruturas mudam na dinâmica dialética entre matéria e simbólico e um país dizer NÃO, não aceito esse discurso aqui, ainda mais um país jovem e que está se construindo – como o nosso, implica em um ganho não imediato com implicações que nem se pode dimensionar. É o sentido implicado nessa negativa que importa. O não, não pode entrar vai na contramão de toda uma cultura de apaziguamento e consentimento em relação à violência contra as mulheres. Seria um não muito bem vindo. 
 
Acho que a gente pode e deve fazer escolhas políticas. Acho que negar entrada a um discurso de violência é, sim, uma atitude política necessária. É hora de parar de minimizar [22] as questões relativas à violência contra a mulher. É hora de tirar a luta contra o machismo das notas de rodapé.
O palestrante e a empresa até agora não se manifestaram oficialmente; eles não responderam aos pedidos de entrevista [23] feitos pela Vice.

ATUALIZAÇÃO (17 de novembro de 2014):

Julien Blanc concedeu hoje uma entrevista à CNN [24], desculpando-se pelas suas atitudes e afirmando não ser sua intenção ofender ou causar danos. A entrevista foi realizada pelo jornalista Chris Cuomo [25], que questionou Blanc quanto à sinceridade de suas desculpas, apontando para as evidências de que ele abertamente incentiva abordagens violentas. Blanc se defendeu afirmando que tudo não passava de “humor de mau gosto”.

Artigo publicado em  Global Voices em Português: http://pt.globalvoicesonline.org
URL do artigo: http://pt.globalvoicesonline.org/2014/11/14/campanha-takedownjulienblanc-repercute-no-brasil-governo-anuncia-veto-ao-visto-do-instrutor/
URLs nesta postagem:
[1] outros países: http://www.brasilpost.com.br/2014/11/11/julien-blanc-pegador_n_6141834.html
[2] abaixo-assinado: https://secure.avaaz.org/po/petition/Policia_Federal_Brasileira_Explusao_de_Julien_Blance/
[3] anunciou o veto: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/11/141112_salasocial_decisao_itamaraty_julien_rs
[4] Julien Blanc: https://twitter.com/RSDJulien
[5] Real Social Dynamics: http://www.realsocialdynamics.com/
[6] Ozomexplicanista: https://www.facebook.com/pages/Ozomexplicanista/239060769586314?fref=ts
[7] Image: https://www.facebook.com/239060769586314/photos/a.239066042919120.1073741828.239060769586314/391517874340602/?type=1&theater
[8] Image: https://www.facebook.com/239060769586314/photos/a.239066042919120.1073741828.239060769586314/392343050924751/?type=1&theater
[9] Austrália: http://www.theguardian.com/australia-news/2014/nov/07/protesters-force-us-pick-up-artist-julien-blanc-to-quit-australian-tour
[10] Reino Unido: https://secure.avaaz.org/en/petition/To_Theresa_May_Home_Secretary_UK_Shut_down_the_Rape_Guru/?wKuRKab
[11] Canadá: http://cnews.canoe.ca/CNEWS/Canada/2014/11/11/22065256.html
[12] Japão: http://www.japantimes.co.jp/community/2014/11/10/voices/36000-dont-want-pick-artist-blanc-drop-japan/#.VGY7NVfF_Wg
[13] reproduziu um comentário: http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2014/11/lutar-pra-que-ne.html
[14] Para a blogueira feminista Nádia Lapa: https://www.facebook.com/cemhomens/photos/a.333049113422833.76823.178450068882739/781892928538447/?type=1
[15] mostrou que 43 mil mulheres foram assassinadas no Brasil em 10 anos: http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2012.php#mulheres
[16] dos avanços: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_Maria_da_Penha
[17] ressalta a importância: http://borboletasnosolhos.blogspot.pt/2014/11/nao-e-sobre-20-cursos-de-estupropa.html
[18] debates: https://www.facebook.com/239060769586314/photos/a.239066042919120.1073741828.239060769586314/391576781001378/?type=1&relevant_count=1
[19] Thatiana Oliveira: https://www.facebook.com/thatiana.oliveira?fref=ufi
[20] níveis alarmantes: http://www.unwomen.org/en/what-we-do/ending-violence-against-women/facts-and-figures
[21] uma pesquisa: http://fra.europa.eu/en/publication/2014/vaw-survey-main-results
[22] É hora de parar de minimizar: http://biscatesocialclub.com.br/2013/03/portaldasmulheres/
[23] pedidos de entrevista: http://www.vice.com/pt_br/read/sera-que-um-pua-deveria-ser-banido-do-brasil?utm_source=vicefacebr
[24] concedeu hoje uma entrevista à CNN: http://edition.cnn.com/video/data/2.0/video/living/2014/11/17/newday-intv-cuomo-blanc-dating.cnn.html
[25] Chris Cuomo: https://twitter.com/ChrisCuomo

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