Movido pela minha quase nula esperança de que o Brasil
tenha algum jeito, eu havia resolvido adotar a velha e boa sugestão do nosso
Hélio Schwartsman –a "saída Taboão". Na verdade, a minha saída seria
para um lugar não tão próximo de São Paulo quanto o vizinho município de Taboão
da Serra.
Pois bem. Apesar de partilhar o pensamento expresso no
último domingo pelo grande Carlos Heitor Cony ("Nada mudará"/"Dá
tudo no mesmo"), acabei desistindo da sugestão de Hélio. Fiquei por aqui e
fui para a urna. Quando cheguei à sala/seção em que voto, entreguei a minha CNH
ao solícito mesário, que imediatamente me perguntou se eu levara o título de
eleitor. Disse-lhe que não. Em seguida, ele entregou o meu documento ao mesário
que manuseia o caderno em que estão os nomes dos eleitores e os comprovantes de
votação, e aí...
E aí o mesário virou e revirou as páginas, virou e
revirou, tornou a virá-las e a revirá-las e por fim disparou o peremptório,
taxativo veredicto: "O senhor não vota aqui". E eu: "Voto".
E ele: "Não vota". Não lembro se ele mesmo ou se outro mesário
atalhou e disse algo parecido com isto: "Mudaram os números das salas de
algumas seções. Qual é a seção do senhor?" E eu: "Esta".
Como diria Vinicius de Moraes, de repente, não mais que
de repente, fez-se presente a solidariedade entre os simpáticos mesários da
seção (simpáticos mesmo, sem ironia), que me aconselharam a ir ao balcão de
informações para ver onde eu deveria votar. Em nenhum momento algum deles
duvidou do procedimento do colega que detinha o caderninho. A cena lembrava uma
conversa com os surreais teleatendentes, que insistem em responder a perguntas
que não foram feitas, não respondem às que foram feitas, repetem o que já
disseram etc.
Pedi licença e perguntei: "Posso olhar o
caderno?" Bingo! Lá estava o meu nome, que o mesário não localizara por
uma razão muito simples: o brasileiro médio não sabe lidar com a ordem
alfabética. Sim, não sabe! Em outras eleições, já vi, muitas vezes, longas
filas decorrentes da lentidão dos mesários, causada (a lentidão) pela
dificuldade em localizar o nome do eleitor.
Trabalhei como mesário em seis eleições. Nos treinamentos
dados pelo TRE, não me lembro de explicações sobre a ordem alfabética. Como
sempre fui presidente de seção, antes do início da votação eu sempre orientava
os meus colegas de mesa sobre a questão da ordem alfabética, cujo conhecimento
não se limita à ordem das letras que formam o nosso alfabeto (a, b, c, d...).
Com esse conhecimento básico, é fácil concluir que
"João" vem antes de "Maria", já que o "j" vem
antes do "m". E quando dois nomes começam pela mesma letra? Passa-se
para a segunda. E quando as duas primeiras letras são iguais? Passa-se para a
terceira, e assim por diante. Dessarte, é óbvio que "Pasquale" vem
antes de "Paulo", já que a letra "s" vem antes da letra
"u".
Não sei se esse tema foi visto no treinamento dado pelo
TRE neste ano, mas não duvido de que tenha sido abordado e não tenha sido
absorvido por boa parte dos mesários. O fato é que é impressionante a nossa
dificuldade com o texto, com a palavra, com a sílaba e com a/s letra/s _com o
letramento, enfim.
O prezado leitor certamente sabe que avaliações feitas
por organismos sérios informam que apenas um em cada quatro brasileiros
letrados é capaz de entender um texto (escrito) de complexidade média. Vamos
mal, muito mal. E não vejo nenhuma luzinha adiante. É isso.
[Fonte: www.folha.com.br]
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