domingo, 4 de maio de 2014

Torturador da ditadura militar é encontrado morto no Brasil

Escrito por Fernanda Canofre

Coronel Paulo Malhães em depoimento a Comissão Nacional
da Verdade, em março. Foto: Marcelo Oliveira / ASCOM – CNV [1]

No final de março, o coronel reformado Paulo Malhães chegou de óculos escuros e cadeira de rodas para um dos depoimentos mais fortes já ouvidos na Comissão Nacional da Verdade, sobre o período militar no Brasil. Um mês depois, na sexta-feira 25 de abril, o torturador e assassino confesso foi encontrado morto [2]. Segundo informações da polícia, Malhães foi feito refém por três homens, junto a sua esposa e o caseiro, em sua casa no interior de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. 

A polícia trabalha com hipóteses de queima de arquivo, vingança e latrocínio [3]– já que os assaltantes levaram consigo a coleção de armas do coronel – como motivações para o crime. Já o relatório do legista, apresentado no sábado, apontou morte por causas naturais. A família confirmou [4] que Malhães, de 76 anos, sofria de problemas cardíacos. Ainda assim, a CNV pediu que a polícia federal acompanhe [5]as investigações sobre o caso. 

De acordo com informações publicadas pela revista Carta Capital [6], em “depoimentos privados”, Malhães teria afirmado que temia por sua vida. O coronel se negou a fornecer nomes de agentes da repressão, que atuaram a seu lado durante o período do regime militar, alegando “que não podia deixar escapar nomes porque estaria correndo risco de vida”. 

Confessar sem se arrepender

Em depoimentos à Comissão Estadual da Verdade de São Paulo e à Comissão Nacional da Verdade, Malhães confessou e descreveu torturas, assassinatos e práticas de ocultação de cadáveres – como remoção de arcadas dentárias e mutilações que dificultariam a identificação. Em fevereiro, assumiu responsabilidade no desaparecimento do corpo do deputado estadual Rubens Paiva [7], mas depois voltou atrás [8].  Quando perguntado quantas pessoas havia matado, friamente, o coronel respondeu: “Tantos quantos foram necessários [9]”. Desde o início das atividades da CNV, em 2012, Malhães foi o quinto agente a depor em audiência pública, o segundo a admitir a prática de tortura e o primeiro a confessar sua participação nos crimes. Não mostrou arrependimento em nenhum momento das quase três horas [10] em que foi ouvido. Ao contrário, logo no início da sessão, declarou:
Como faço com tudo na vida, eu dei o melhor de mim naquela função. (…) Eu cumpri o meu dever. Não me arrependo. 
A morte de Malhães fez com que o Brasil voltasse a olhar para o período militar como uma época que, talvez, não tenha terminado. E suscitou o debate sobre os criminosos da história recente que nunca receberam punição [11]. A Lei de Anistia[12], ainda em vigência no país, não permite o julgamento de torturadores nos tribunais. 

O blogueiro e ativista Douglas Belchior – conhecido como Negro Belchior – chegou a lamentar a morte [13]do torturador, lembrando a onda de justiça pelas próprias mãos levantada em diversas cidades brasileiras no início do ano:
Foi acerto de contas por parte de grupos ligados a resistência à ditadura? Foi vingança por parte de família e amigos de algum torturado? Não acredito. É mais razoável imaginar que se trata de uma ação com a intenção de intimidar possíveis futuros delatores das atrocidades cometidas pelas forças oficiais do Estado durante os anos da repressão.
Mas, quero tratar aqui da mensagem que fica: A ideia da justiça feita pelas próprias mãos. Assassinatos, torturas, desaparecimentos e linchamentos cada vez mais frequentes e banalizados, a começar pela ação das polícias, cujos exemplos não faltam. E que agora se vê promovido por “populares”.
O discurso fascista se fortalece: “É a ausência da lei! Bandido faz o que quer e a população se sente desprotegida. A tendência é que façam justiça com as próprias mãos!”

Artigo publicado em  Global Voices em Português: http://pt.globalvoicesonline.org
URL do artigo: http://pt.globalvoicesonline.org/2014/04/28/ninguem-perdoa-o-coronel-torturador-da-ditadura-militar-e-encontrado-morto-no-brasil/
URLs nesta postagem:
[1] ASCOM – CNV: http://fotospublicas.com/ex-coronel-paulo-malhaes-e-encontrado-morto-na-baixada/
[2] encontrado morto: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/coronel-paulo-malhaes-e-encontrado-morto-na-baixada/
[3] latrocínio : http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-04-26/paulo-malhaes-latrocinio-e-a-linha-principal-de-investigacao.html
[4] família confirmou: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/04/1446130-laudo-medico-diz-que-coronel-malhaes-morreu-por-edema-pulmonar-e-isquemia-no-coracao.shtml
[5] polícia federal acompanhe : http://www.cnv.gov.br/index.php/outros-destaques/476-cnv-pede-que-a-pf-acompanhe-investigacao-sobre-a-morte-de-malhaes
[6] Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/coronel-paulo-malhaes-temia-por-sua-vida-9839.html
[7] Rubens Paiva: http://pt.wikipedia.org/wiki/Rubens_Paiva
[8] voltou atrás: http://www.abi.org.br/paulo-malhaes-volta-atras-em-depoimento-a-comissao-nacional-da-verdade/
[9] Tantos quantos foram necessários: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/03/140326_depoimento_coronel_ditadura_jc.shtml
[10] quase três horas: https://www.youtube.com/watch?v=e2SnsSYG7O0
[11] punição: http://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/2014/04/26/lugar-bom-para-o-torturador-paulo-malhaes-era-a-cadeia-e-nao-o-caixao/
[12] Lei de Anistia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_da_anistia_(Brasil)
[13] lamentar a morte : http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2014/04/26/torturar-o-torturador-assassinar-o-assassino-o-que-voce-acha/

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