Por Isabela Lima
Quem foi Hannah Arendt
De origem judaica, Hannah Nasceu em Hannover, na Alemanha, no ano de
1906. Hannah perdeu o pai cedo e recebeu da mãe uma criação com ideais
social-democratas. Aos 17 anos, mudou-se para Berlim, onde estudou
filosofia e teologia. Em 1924, ingressou na universidade de Marburg,
onde permaneceu por um ano e teve o primeiro contato com o homem que
seria para ela uma espécie de “oráculo”: Martin Heidegger, filósofo que
durante a Segunda Guerra Mundial assumiu-se nazista.
Em 1929, Hannah mudou-se para Berlim, com uma bolsa de estudos. Com o
auge do nazismo no poder, Hannah mudou-se para Paris, onde conheceu
vários intelectuais, como Walter Benjamin. Durante a Guerra, quando o
governo da França se aliou aos alemães, a judia foi mandada a um campo
de concentração, como "estrangeira suspeita". Mas conseguiu fugir para
Nova York em 1941. Acabada a guerra, Hannah Arendt retorna à Alemanha e
reencontra Heidegger, seu antigo amante.
Apesar de sempre ter sido chamada de "filósofa", Hannah preferia se
intitular cientista-política, muito embora a maioria de suas discussões
fossem filosóficas de pensadores como, tais como Platão, Sócrates e
Santo Agostinho, sem falar de grandes nomes da filosofia moderna, como
Immanuel Kant e Nicolau Maquiavel. Hannah marcou a história com sua
liberdade de pensamento, seus estudos sobre a filosofia existencial, sua
teoria sobre o totalitarismo e sua forte manifestação a favor favor da
liberdade de expressão em discussões políticas.
Em 1963 Hannah Arendt é contratada como professora da Universidade de
Chicago, onde ensina até 1967, ano em que se muda para Nova York e
passa a lecionar na New School for Social Research, instituição em que
permanece até à sua morte em 1975.
Sobre o Filme
O filme conta um trecho da história de Hannah Arendt, interpretada
brilhantemente por Barbara Sukowa, e seu marido Heinrich, feito por Axel
Milberg. Ambos são judeus e alemães que conseguiram se refugiar nos
Estados Unidos, fugindo de um campo de concentração nazista na França.
Hannah afirma no filme que a América dos anos 50 é um sonho, que fica
melhor ainda quando surge a oportunidade de ela cobrir o julgamento do
nazista Adolf Eichmann para a revista renomada The New Yorker.
Então, ela viaja até Israel, e na volta escreve todas as suas
impressões e o que aconteceu; o editor da revista se interessa pela
história separa tudo em 5 artigos. Aí, então, começa o verdadeiro drama
de Hannah: em seus artigos, ela mostra que nem todos que praticaram os
crimes de guerra eram monstros, e relata também o envolvimento de alguns
judeus que ajudaram na matança dos seus iguais, o que causa muito
murmurinho e polêmica na sociedade. Todos se voltam contra ela, e cada
vez mais as críticas ficam tão fortes que até mesmo seus amigos mais
próximos se assustam. Entretanto, mulher de pulso e gênio forte que era,
Hannah em nenhum momento pensa em voltar atrás, e resolve manter a
mesma postura perante a situação que parece ser calamitosa, com ameaças e
xingamentos.
Hannah tenta descobrir, então, as origens de Eichmann, esse homem
violento que possui a confiança de Heinrich Himmler, um dos principais
representantes do Partido Nazi Alemão e um dos grandes responsáveis pelo
genocídio. Ao contrário do pensamento romântico e caótico que todos
alimentam (e não é para menos) e que associa as atrocidades cometidas e
comandadas por ele a uma suposta personalidade demoníaca, Hannah
descobre que Eichmann é apenas um pobre coitado, solitário e vazio por
dentro. Ele apenas cumpria ordens, realizava (ainda que de forma
impecável) apenas a burocracia dos famigerados campos de extermínio,
triste marca da Segunda Guerra Mundial. Esse homem a qual todos temiam
não passava de um capacho, um executivo da morte. Um assassino, mas
ainda sim um humano.
À esse tipo de interpretação, Arendt deu o nome de “banalidade do
mal”, subtítulo de seu livro e expressão que se tornou corrente, embora
em geral mal compreendida. Nessa época, o mínimo de que acusavam era de
ser simpatizante do nazismo. Ainda por cima, a forte ligação com
Heidegger açoitou ainda mais esses pensamentos a seu respeito.
No filme, temos a clara ideia da prática da liberdade do pensamento que
quando começa a ser praticada nunca se sabe aonde pode levar ou quando
pode parar. Nesse sentido, o filme causa sim um impacto forte.
Observa-se a reflexão de Hannah sobre a natureza do mal. Tendo o Nazismo
como cenário e como personagem na história, o julgamento de Eichmann,
que Hannah cobriu pelo jornal New Yorker, Hannah esperava encontrar nele
um monstro assassino, mas o que ela apenas viu foi a banalidade do mal;
percebeu que as ordens o cegavam, substituíam sua própria reflexão
diante do mundo e da sociedade.
O que Hannah quis dizer é que a monstruosidade não está na pessoa,
mas no sistema. Há sistemas que banalizam o mal. O perigo e o mal maior
não estão na existência de mentes doentias, mas na violência sistemática
que é exercida por pessoas banais. Dessa forma, Hannah causava um
alvoroço dentro de cada um, perturbando a idéia e a grandiosidade do
ódio que as pessoas sentiam de Eichmann. Esse sentimento é muito
perigoso, muito embora seja compreensível. Ele pode dominar a cabeça do
ser humano e manipular suas ações de forma fértil e incontrolável.
Em seu discurso na Universidade New School for Social Research, Hannah
declarou:
“Não se julgava um sistema. Não se julgava a História, nenhum “ismo”,
nem mesmo o “antissemitismo”. Somente a pessoa. O problema com um
criminoso nazista como Eichmann é que ele insistia em renunciar a
qualquer traço pessoal. Como se não tivesse sobrado ninguém para ser
punido ou perdoado. Repetidas vezes ele protestava, renegando as
acusações da promotoria, dizendo que não tinha feito nada por iniciativa
própria. Que jamais fizera algo premeditadamente, para o bem e para o
mal. Apenas cumpria ordens. Esta desculpa típica dos nazistas torna
claro que o maior mal do mundo é o mal perpetrado por ninguém. Males
cometidos por homens sem qualquer motivo, sem convicção, sem razão
maligna ou intenções demoníacas. Mas seres humanos que se recusam a ser
pessoas. E é este fenômeno que chamei de Totalitarismo.
Desde Sócrates e Platão, que geralmente se referiam ao pensar com o
diálogo silencioso travado consigo mesmo. Ao recusar-se a ser uma
pessoa, Eichmann abdicou totalmente da característica que mais define o
homem, como tal: a de ser capaz de pensar. Consequentemente, ele se
tornou incapaz de fazer juízos morais. Essa incapacidade de pensar
permitiu que muitos homens comuns cometessem atos cruéis numa escala
monumental jamais vista. A manifestação do ato de pensar não é o
conhecimento. Mas a capacidade de distinguir o bem e o mal. O belo e o
feio.” (filme “Hannah Arednt”, 2012)
Depois do julgamento, Hannah chegou à conclusão de que o mal não
provém da malevolência ou do desejo de praticar o mal. Ela sugeriu que
as razões pelas quais as pessoas agem de certa forma é que elas sucumbem
as falhas de pensamento e julgamento. Sistemas políticos opressivos são
capazes de tirar vantagem da nossa tendência para tais falhas,
possibilitando que pareçam normais certos atos que consideraríamos
inaceitáveis. A ideia de que o mal é banal não priva os atos maléficos
de ser horror. Isso faz com que esses atos estejam mais próximos da
vítima cotidiana, levando-nos a crer que o mal é algo que todos nós
somos capazes de cometer. Assim, devemos nos precaver contra as falhas
dos nossos regimes políticos, tanto quanto das possíveis falhas em nossos
próprios pensamentos e julgamentos.
Levando isso para o lado que relaciona razão e emoção, Marcuse
acreditava que a ideia de Hegel – de que racional é real e vice-versa-
era perigosa, levando-nos a pensar que coisas reais como o sistema
político existente não são necessariamente racionais. E nos lembrou de
que aquelas coisas que aceitamos como racionais podem ser muito mais
irracionais do que somos capazes de admitir. Ele também quis nos fazer
entender a natureza irracional de muito daquilo que aceitamos como
verdadeiro.
O que dialoga proporcionalmente com a análise filosófica feita por
Arendt sobre Eichmann. Cidadão genuinamente alemão, que foi inserido na
frente nazista, viu-se naturalmente sendo obrigado a adotar aquele tipo
de pensamento e postura dos que estavam no poder. Mesmo que isso não
fosse nem um pouco racional, era sua realidade e, portanto, fazia-se
racional. Podemos ver isso claramente em documentários, reportagens e
histórias da época da Guerra. Pessoas que acreditavam ser superiores por
conta de uma ideia implantada em suas mentes, e isso de forma trágica e
avassaladora, tomou conta da grande maioria dos alemães.
Supomos que a sociedade está baseada na razão e na justiça, mas
quando olhamos com mais atenção descobrimos que elas não são nem justas
nem racionais. Marcuse não menosprezou a razão, mas tentou mostrar que
ela é subversiva e que podemos usá-la para pôr em dúvida a sociedade em
que vivemos. É o que chamamos em Marcuse de “teoria racionalista”.
A luta pela vida toma um significado de luta antissistêmica, que ia
contra o que Marcuse chama de “princípio da realidade” das sociedades
repressivas. Já nos dias atuais, o instinto pela vida passa a ser parte
de uma estratégia geral de uma luta contra o sistema capitalista. A
civilização trava, então, uma luta difícil e diária contra a escassez de
objetos, bens materiais, alimentos, etc. Isso cria cria condições
objetivas para a construção de uma sociedade igualitária baseada na
socialização do trabalho e da política.
“Contudo, na teoria de instintos, Freud não extrai quaisquer
conclusões fundamentais a partir da distinção histórica, atribuindo a
ambos os níveis uma validade geral e igual. Para a sua metapsicologia
não constitui fatos decisivos se as inibições são impostas pela escassez
ou pela distribuição hierárquica da escassez, pela luta pela existência
ou pelo interesse na dominação. E, com efeito, os dois fatores – o
filogenético-biológico e o sociológico – cresceram juntos na história
documentada da civilização.
Mas a sua união desde há muito se tornou “inatural” – e o mesmo
aconteceu à “modificação” opressiva do princípio do prazer pelo
princípio da realidade. A sistemática negação, por Freud, da
possibilidade de uma libertação essencial do primeiro implica o
pressuposto de que a escassez é tão permanente quanto a dominação – uma
hipótese que nos parece discutível."
(MARCUSE, Herbert. Eros e a Civilização – uma interpretação filosófica
do pensamento de Freud)
[Fonte: lounge.obviousmag.org]
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