O sintoma da doença pleonasmite é a verbalização de pleonasmos (ou redundâncias) que, com o objectivo de reforçar uma ideia, acabam por lhe conferir um sentido quase sempre patético
Texto de
Nuno Abrantes Ferreira
Todos os portugueses sofrem de pleonasmite, uma doença congénita para
a qual não se conhecem nem vacinas nem antibióticos. Não tem cura, mas
também não mata. Mas, quando não é controlada, chateia (e bastante) quem
convive com o paciente.
O sintoma desta doença é a verbalização de pleonasmos (ou
redundâncias) que, com o objectivo de reforçar uma ideia, acabam por lhe
conferir um sentido quase sempre patético.
Definição confusa? Aqui vão quatro exemplos óbvios: “Subir para
cima”, “descer para baixo”, “entrar para dentro” e “sair para fora”.
Já se reconhece como paciente de pleonasmite? Ou ainda está em fase
de negação? Olhe que há muita gente que leva uma vida a pleonasmar sem
se aperceber que pleonasma a toda a hora.
Vai dizer-me que nunca “recordou o passado”? Ou que nunca está atento
aos “pequenos detalhes”? E que nunca partiu uma laranja em “metades
iguais”? Ou que nunca deu os “sentidos pêsames” à “viúva do falecido”?
Atenção que o que estou a dizer não é apenas a minha “opinião
pessoal”. Baseio-me em “factos reais” para lhe dar este “aviso prévio”
de que esta “doença má” atinge “todos sem excepção”.
O contágio da pleonasmite ocorre em qualquer lado. Na rua, há lojas
que o aliciam com “ofertas gratuitas”. E agências de viagens que
anunciam férias em “cidades do mundo”. No local de trabalho, o seu chefe
pede-lhe um “acabamento final” naquele projecto. Tudo para evitar
“surpresas inesperadas” por parte do cliente. E quando tem uma discussão
mais acesa com a sua cara metade, diga lá que às vezes não tem vontade
de “gritar alto”: “Cala a boca!”?
O que vale é que depois fazem as pazes e vão ao cinema ver aquele filme que “estreia pela primeira vez” em Portugal.
E se pensa que por estar fechado em casa ficará a salvo da
pleonasmite, tenho más notícias para si. Porque a televisão é, de
“certeza absoluta”, a “principal protagonista” da propagação deste
vírus.
Logo à noite, experimente ligar o telejornal e “verá com os seus
próprios olhos” a pleonasmite em directo no pequeno ecrã. Um jornalista
vai dizer que a floresta “arde em chamas”. Um treinador de futebol
queixar-se-á dos “elos de ligação” entre a defesa e o ataque. Um
“vereador da autarquia” dirá que gere bem o “erário público”. Um
ministro anunciará o reforço das “relações bilaterais entre dois
países”. E um qualquer “político da nação” vai pedir um “consenso geral”
para sairmos juntos desta crise.
E por falar em crise! Quer apostar que a próxima manifestação vai juntar uma “multidão de pessoas”?
Ao contrário de outras doenças, a pleonasmite não causa “dores
desconfortáveis” nem “hemorragias de sangue”. E por isso podemos “viver a
vida” com um “sorriso nos lábios”. Porque um português a pleonasmar,
está nas suas sete quintas. Ou, em termos mais técnicos, no seu “habitat
natural”.
Mas como lhe disse no início, o descontrolo da pleonasmite pode ser
chato para os que o rodeiam e nocivo para a sua reputação. Os outros
podem vê-lo como um redundante que só diz banalidades. Por isso, tente
cortar aqui e ali um e outro pleonasmo. Vai ver que não custa nada. E
“já agora” siga o meu conselho: não “adie para depois” e comece ainda
hoje a “encarar de frente” a pleonasmite!
Ou então esqueça este texto. Porque afinal de contas eu posso estar só “maluco da cabeça”.
[Fonte: www.publico.pt]
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