quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Brasil como refúgio? Posicionamento do país face aos deslocamentos forçados pelo mundo

Escrito por Richard de Araújo


[1] Campo de refugiados Za'atari na Jordânia, Novembro de 2012. Foto de UNHCR no Flickr (CC BY-NC 2.0)
Se o pouco que os brasileiros sabem sobre a questão dos refugiados remete à ideia de guerra, então não espantaria dizer que vivemos em tempos de conflito generalizado pelo mundo. Diferentemente das duas Grandes Guerras que o mundo viveu no século passado, em que blocos de países confrontaram-se gerando imensos deslocamentos humanos, atualmente vê-se uma infinidade de conflitos dispersos em muitas áreas do planeta.

Mas em que medida conflitos em regiões como a África Subsaariana e o Oriente Médio podem afetar sociedades alheias àqueles problemas? A resposta passa pelo aparecimento de duas personagens, cuja responsabilidade recairá sobre outras sociedades que não aquelas de onde elas provêm: o refugiado e o imigrante.

Refugiados e Imigrantes: fuga da guerra e da pobreza 

Termos que geralmente se confundem, a diferença entre eles é basicamente jurídica. Para “refugiado” citamos aqui a definição usada pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) [2], ligado ao Ministério da Justiça do Brasil:


Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:

I – devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
II – não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;
III – devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.
[3] “Um refugiado sem esperança é demasiado”. Imagem de divulgação do Dia Mundial dos Refugiados (20 de junho de 2011). Foto das Nações Unidas – Arménia noFlickr (CC BY 2.0)

Já no blog “Cidadania e Profissionalidade [4]” encontramos uma ideia de como os cidadãos, neste caso portugueses, entendem “imigração/emigração”, cuja explicação vem dos leitores Helder Monteiro e Helder Ribeiro:

A emigração é o acto e o fenómeno espontâneo de deixar o seu local de residência para um país estrangeiro.

A imigração é o movimento de entrada, permanente ou temporário e com a intenção de trabalho e/ou residência, de pessoas ou populações, de um país para outro. A imigração em geral ocorre por iniciativa pessoal, pela busca de melhores condições financeiras.
No caso do Brasil, como nos outros países, é a Constituição [5] que dá a definição do estatuto legal aos estrangeiros que se tornam brasileiros. O capítulo III – Da Nacionalidade –, deixa claro quem tem direito à naturalização: “Os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira”.

Assim, na superfície observa-se que enquanto os refugiados deixam seus países pela força dos conflitos e perseguições, os emigrantes partem voluntariamente à procura de condições laborais mais favoráveis à manutenção de suas famílias. Observando em mais profundidade, a questão jurídica apresenta-se da seguinte forma: os refugiados têm o seu status determinado inicialmente pelas Nações Unidas, cujo pedido de asilo é então julgado pelo país acolhedor; já os imigrantes são assunto somente das leis do país que os adotou, sem ingerência exterior.

Refugiados no Brasil: número e perfil

[6] Fuga, Milan Dusek. Arte e Refúgio no Brasil: Uma celebração do
150º aniversário de Fridtjof Nansen. Imagem partilhada por
UNHCR no Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)
Sabe-se que, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados [7], havia no final de 2012 cerca de 15,4 milhões de refugiados no mundo. Desse número o Brasil abrigava até ao final de 2013 cerca de 4.656 [8]. O número é alarmantemente pequeno quando comparado ao do país que mais refugiados abriga, o Paquistão, com cerca de 1,6 milhões de pessoas.

Mas embora ainda sejam poucos numericamente, proporcionalmente a 2012, eles praticamente triplicaram quando comparados a 2013, passando de 199 autorizações para 649, tal como mostra um artigo republicado no blog Lajes do Cabugi [9].

Trata-se do resultado das pressões externas que o Brasil sofreu por parte de ONGs, e mesmo de países, que exigem o abandono do discurso terceiromundista de que o país tinha insuperáveis problemas internos a preocupar-se. Uma e outra razão provocaram no ano passado o começo de um debate nacional sobre a flexibilização das leis que tratam do assunto. Paralelamente, por conta do número de pessoas deslocadas por conflitos no mundo ter praticamente dobrado da década de 1990 para cá, o resultado foi a assunção no país de maiores responsabilidades exteriores e o consequente recebimento de mais refugiados.

O exemplo que mais chama a atenção é o dos sírios que buscaram refúgio no Brasil. Dada a situação atual da Síria, o governo brasileiro anunciou recentemente um plano para a concessão especial de “vistos humanitários” para nacionais sírios [10] que buscam refúgio no Brasil – o primeiro do gênero na América Latina – cujo tempo para a sua obtenção é menor que o usual para a emissão desse tipo de documento. Além disso, os vistos humanitários podem estender-se ao familiares do refugiado que estejam vivendo nos países vizinhos da Síria.

O blog “O Estrangeiro [11]” descreveu a evolução numérica dos refugiados sírios no Brasil:
O Brasil tem sido um destino cada vez mais recorrente dos cidadãos sírios que tentam escapar da guerra civil que abala o país há mais de dois anos, agravada pela possível intervenção militar dos Estados Unidos. Desde o início dos conflitos, em março de 2011, o número de refugiados sírios no Brasil saltou 15 vezes: foi de 17 para 261. Eles já correspondem a 6% do total de refugiados no país.
Os refugiados e a construção de uma nova imagem no cenário internacional

As ambições do Brasil de vir a fazer parte do Conselho de Segurança da ONU, juntamente com o aumento da sua participação na governança global, impuseram-no um dilema incontornável: a passividade sem riscos ou a tomada de responsabilidades sobre questões que até há pouco tempo mantinha-se alheio. Este novo posicionamento implica no aumento de tropas no exterior em missões sob mandato da ONU e na participação em organismos como o Conselho Consultivo da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), para o qual o país aguarda a sua entrada uma vez que seja ratificada uma doação de US$ 6,5 milhões.

O debate sobre os refugiados no Brasil promete ser entusiasmante. Ele colocará frente a frente refugiados estrangeiros a refugiados brasileiros – sim, os há –, são os habitantes das favelas submetidos à violência de traficantes de drogas ou de policiais corruptos, migrantes dos estados mais pobres do país que aceitam trabalhos próximos à escravidão [12] nas grandes cidades para fugir à miséria absoluta de seus vilarejos, entre outros. Ambas as realidades são muito semelhantes e se forem observadas com atenção pelos congressistas, perceberão que em muitos pontos do Brasil a situação é muito parecida com as que vivem as populações da Palestina ou Sudão do Sul.

Artigo publicado em Global Voices em Português: http://pt.globalvoicesonline.org
URL do artigo: http://pt.globalvoicesonline.org/2014/01/22/brasil-como-refugio-posicionamento-do-pais-face-aos-deslocamentos-forcados-pelo-mundo/
URLs nesta postagem:
[1] Image: http://www.flickr.com/photos/101268966@N04/10019055364/
[2] Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE): http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7B7605B707-F8BE-4027-A288-6CCA2D6CC1EC%7D&Team=&params=itemID=%7BE3CE305E-C8F5-4053-8D29-E435CCA51A09%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D
[3] Image: http://www.flickr.com/photos/unarmenia/5862772266/
[4] Cidadania e Profissionalidade: http://cidadaniaeprofissionalidade.blogs.sapo.pt/1314.html
[5] Constituição: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
[6] Image: http://www.flickr.com/photos/acnurlasamericas/6195956106/
[7] Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados: http://www.unhcr.org.uk/about-us/key-facts-and-figures.html
[8] o Brasil abrigava até ao final de 2013 cerca de 4.656: http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/brasil-troca-refugio-de-angolanos-e-liberianos-por-residencia-permanente-no-pais/
[9] blog Lajes do Cabugi: http://professorcaninderocha.blogspot.co.uk/2014/01/imigracao-numero-de-refugiados-no.html
[10] concessão especial de “vistos humanitários” para nacionais sírios: http://www.unhcr.org/524555689.html
[11] O Estrangeiro: http://oestrangeiro.org/2013/09/23/relativo-aumento-de-refugiados-sirios-no-brasil/

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