Ex-integrante da Comissão da Verdade do Peru, a socióloga Sofía Macher
defende que o Brasil volte a discutir a revisão da Lei da Anistia, que
protege agentes da ditadura militar (1964-85) acusados de torturas e
desaparecimentos.
Ela elogia a existência da comissão brasileira, mas diz que o órgão não
pode se limitar a fazer reuniões fechadas e preparar um relatório final
"que ninguém vai ler".
A socióloga diz que o Brasil deve cumprir a sentença da Corte
Interamericana de Direitos Humanos que determinou a revisão da Anistia,
em 2010. Ela critica a decisão do Supremo Tribunal Federal que manteve,
meses antes, a validade da lei de 1979.
No Peru, cerca de 69 mil pessoas morreram em duas décadas de conflitos,
entre 1980 e 2000. A Comissão da Verdade funcionou de 2001 a 2003 e
abriu caminho para a condenação de centenas de militares e guerrilheiros
do Sendero Luminoso.
Macher passou os últimos dias no Rio para trocar experiências com ativistas da área de direitos humanos.
*
Folha - Qual é a sua avaliação sobre o trabalho da Comissão da Verdade no Brasil?
Sofía Macher - É muito interessante o processo que levou à criação da
comissão para rever os anos da ditadura. É uma oportunidade de olhar
para trás e examinar os trechos da história oficial que precisam ser
reescritos.
O grande desafio da comissão é envolver a sociedade numa reflexão
honesta sobre o que aconteceu no país. Se ela ficar entre quatro
paredes, produzindo um relatório final que ninguém vai ler, será um
grande desperdício.
Estou convencida, pela experiência do Peru, de que uma revisão honesta
da história ajuda a construir e a consolidar a democracia.
Em 2010, o STF manteve a validade da Anistia. O Brasil deve reabrir essa discussão?
Acho que a Justiça deve valer para todos. Por isso, não acredito nas
anistias. A Comissão da Verdade pode abrir caminhos e significar um
ponto de ruptura, por mais que não termine em processos judiciais.
O Peru também teve uma Lei de Anistia, aprovada no governo Alberto
Fujimori, em 1995. No entanto, a lei foi revogada pela Suprema Corte.
O processo é maior que a comissão. O Chile levou oito anos, após o fim
da sua comissão, até os militares se comprometerem a dizer onde
enterraram os desaparecidos.
*A Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou, em sentença sobre a
Guerrilha do Araguaia, que a Anistia seja revista. Isso deve prevalecer
sobre a decisão STF? *
O Brasil assinou a Convenção Americana de Direitos Humanos e é obrigado a
cumprir as sentenças da Corte. A mim parece assombroso que isso não
esteja ocorrendo.
Os Estados que adotam esse comportamento debilitam o sistema interamericano. Isso gera um dano tremendo para toda a sociedade.
Hoje, se a Justiça do seu país é injusta, não respeita o devido processo
legal, você tem a quem recorrer. Se outros países ignorarem as
sentenças da Corte, como o Brasil, todo o sistema interamericano de
direitos humanos ficará debilitado.
O Brasil é um país grande e poderoso. Se ele não respeita o sistema,
fica a imagem de que a Justiça só vale para os países pobres. Isso me
parece terrível, muito negativo.
Os defensores da Lei da Anistia argumentam que ela valeu para os dois lados e contribuiu para a reconciliação no Brasil.
É um argumento válido quando se assina um acordo de paz, quando você tem
dois grupos armados e a Anistia é a forma de se pacificar o país. Mesmo
assim, não deve valer para crimes de lesa-humanidade. Não acredito que
seja válida uma Anistia irrestrita.
É preciso punir crimes cometidos pelo Estado contra cidadãos. Se você
diz à sociedade que não vai punir quem cometeu esses crimes, deixa uma
mensagem muito ruim.
A Corte Interamericana considera que esse tipo de Anistia é contrário à proteção dos direitos humanos.
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A socióloga peruana Sofia Macher, no Rio |
[Foto: Daniel Marenco/Folhapress - fonte: www.folha.com.br]
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