Fundadora da Flip, a inglesa Liz Calder levará
um pouco do País para sua terra natal. Além de escritores, também
música, capoeira e culinária farão parte da FlipSide, em outubro.
Por MARILIA NEUSTEIN
Liz Calder tem uma nova missão: fazer com que os ingleses se
interessem pela literatura brasileira. Idealizadora da Flip, esta
elegante senhora acha que chegou a hora de o mundo olhar para a nossa
produção literária e não apenas para “outras coisas pelas quais o Brasil
é conhecido”. Para tanto, formulou a FlipSide, que reunirá, em outubro,
representantes brasileiros da escrita e da música em Snape Maltings, na
Inglaterra. A versão pocket da Flip contará com homenagem a Vinicius de
Moraes e Tom Jobim.
Liz sabe que tem um grande desafio pela frente. “Este será o primeiro
festival de literatura dedicado a um país fora do Reino Unido, com
cultura e idioma diferentes”, destacou, em entrevista por telefone à
coluna.
Entre os convidados a participar do evento estão Ana Maria Machado,
Adriana Lisboa, José Miguel Wisnik e Bernardo Carvalho – cujo romance
Nove Noites ela acaba de ler. “Achei a narrativa muito intrigante,
misteriosa e maravilhosa”, analisa. Indagada sobre seu escritor
brasileiro favorito, Liz não titubeia: “Machado de Assis”.
A história de admiração pelo Brasil é de longa data. Desde os anos 60,
ela cultiva particular paixão pela atmosfera tropical, à qual atribui as
bem-sucedidas experiências dos escritores que participam da Flip:
“Neste ano, convidamos, entre muitos, um norueguês. E tenho certeza que
irá se divertir muito – afinal, ele vem do hemisfério norte, que é cheio
de neve”, diz.<EM>
Fundadora da Bloomsbury, editora que lançou sucessos como Harry Potter,
afirma que a crise das livrarias inglesas não a assusta: “Sempre haverá
mercado para livros impressos. Não creio que eles desaparecerão. São
muito fortes e difíceis de se reproduzir a sensação, entende? A
experiência é diferente”, destaca.
A seguir, os principais trechos da conversa.
Este ano haverá a primeira Flip na Inglaterra. Como a senhora chegou a essa ideia?
Liz Calder: Não foi imediatamente. Aqui em nossa editora fazemos muitos
eventos, como oficinas e leituras. Então, pensamos: por que não tentar
fazer isso com literatura brasileira? Por causa dos interesses no
relacionamento entre o Reino Unido e o Brasil, devido aos Jogos
Olímpicos, pareceu um momento propício para continuarmos a tentar
espalhar as grandes riquezas da cultura brasileira. O Brasil não é
conhecido por sua literatura no resto do mundo, mas por outras coisas.
Como o futebol?
Liz Calder: Exatamente. E sabemos que há muito mais do que futebol
acontecendo no País. Dessa forma, temos muita sorte de morar perto de um
lugar maravilhoso, com um auditório muito bom e locais e instalações
incríveis que abrigarão a FlipSide.
A ideia é levar escritores brasileiros e fazer uma homenagem a Vinicius de Moraes, certo?
Liz Calder: Sim. Queremos músicos também. A Flip sempre teve uma relação
forte com a música. Queríamos a mesma coisa. Então, teremos um tributo a
Vinicius de Moraes e Tom Jobim, com José Miguel Wisnik. Estou muito
empolgada, mesmo sabendo que é um grande desafio. É algo bem incomum no
Reino Unido. Temos, como você sabe, realmente muitos festivais de
literatura. Mas este será o primeiro dedicado a um país de fora do Reino
Unido, com cultura e idioma diferentes. É inédito. Por isso, também
teremos comida brasileira, capoeira…
Muitas livrarias estão sendo fechadas na Inglaterra. Esse
fenômeno está afetando as editoras? A senhora planeja publicar no
formato para tablets? Como vê a questão dos livros digitais?
Liz Calder: A publicação que fazemos é completamente não-digital. Nós
nos especializamos em papel de alta qualidade, em design qualificado e
em produção. Provavelmente, não trabalharemos com o formato digital,
mas, pelo que sei, as pessoas continuarão a ler no papel. Se elas leem
em tablets, isso é bom também. Acho que sempre haverá mercado para
livros impressos. Não creio que eles desaparecerão. Os livros impressos
são muito fortes e é difícil de se replicar essa sensação, entende?
Quais as expectativas da senhora para a Flip deste ano?
Liz Calder: Estou muito feliz. Há escritores que nunca encontrei, mas,
como já li, anseio por encontrá-los. Como Alejandra Ramon e Lydia Davis.
E alguns dos meus velhos amigos, como Tobias Wolff e Geoff Dyer.
No ano passado, a Flip cresceu, e os organizadores disseram que não pode ser maior. A senhora concorda com isso?
Liz Calder: Seria um desastre tornar a Flip grande, a ponto de perder o
encanto. O Hay-on-Wye Festival, que inspirou a Flip e tantos outros
festivais, tornou-se tão grande que se mudou da cidade pequena e não é
mais o que era. Claro que tem sucesso, mas não é mais o mesmo, e eu não
gostaria de que isso acontecesse à Flip de maneira alguma.
E tem Paraty…
Liz Calder: Claro. A cidade é essencial. As pessoas se encontram nas
ruas, nos bares, nos restaurantes e, depois, vão ver os mesmos shows e
os mesmos eventos. E isso acaba criando um ar de intimidade, o que é
muito importante para nós.
Uma das críticas à Flip é a escolha dos mediadores. Qual a
dificuldade de encontrar alguém que possa conduzir a conversa com humor
e, ao mesmo tempo, com curiosidade?
Liz Calder: Sim, houve críticas. Entretanto, acho que isso melhorou
atualmente. Existem, agora, mediadores fantásticos, como Angel Gurría.
Foi um problema, mas está melhor agora. O pior é quando o mediador fala
demais. O público não está lá para ouvir o mediador. Mediar é uma arte.
E, como você diz, é preciso um pouco de humor e flexibilidade.
Este ano a programação está menos política. Por quê?
Liz Calder: Algumas pessoas disseram que esta edição é a mais séria de
todas. Não entendo muito bem o que querem dizer com isso. Na verdade,
acho que a Flip é particularmente popular. E fico satisfeita de
conseguirmos manter a qualidade sem nunca precisar recorrer à
participação de celebridades. No Reino Unido, nós temos muito disso.
Explique melhor.
Liz Calder: São políticos, astros pop, atores ou atrizes que escreveram
livros e começam a ir aos festivais de literatura. Não acho que isso
aconteça de forma alguma na Flip. É uma festa muito mais intelectual e
séria, sem ser pesada por causa disso – não é acadêmica. Desde a
primeira edição, o público é bem atento e receptivo. São interessados, o
que, novamente, nem sempre acontece aqui no Reino Unido.
Na sua opinião, quais foram os melhores momentos nesses anos de Flip?
Liz Calder: Houve muitos (risos). O encontro de Nadine Gordimer
e Amós Oz foi muito especial. Uma das coisas que achei mais
maravilhosas foi Colm Tóibín durante a palestra sobre James Joyce.
Fantástico. E David Grossman, que sempre que aparece faz com que as
coisas mais incríveis aconteçam. Ele é um homem incrível. E, para
finalizar, claro, devo dizer que a participação de Chico Buarque foi
inesquecível.
A maioria dos escritores que participam da Flip afirma ter
uma experiência positiva. O que a senhora acha que faz do festival tão
especial?
Liz Calder: Eles são todos muito bem cuidados. A organização da festa é
impecável. Os escritores têm a oportunidade de conhecer um lugar
maravilhoso, podem passear em barcos, ir à praia, comer bem, encontrar
outros autores. Quer dizer, o que não apreciar?
É uma experiência que explora muito o apelo tropical.
Liz Calder: Exatamente. Paraty é exótica para um visitante do hemisfério
norte. Este ano, haverá um norueguês. E tenho certeza que ele irá se
divertir muito – afinal, vem lá de cima, onde é cheio de neve.
Que livro a senhora está lendo neste momento?
Liz Calder: Terminei Nove Noites, romance de Bernardo Carvalho.
Devia ter lido há muito tempo, porque foi lançado no Reino Unido em
2007, mas só li agora. Adorei. Achei a narrativa intrigante, misteriosa e
maravilhosa. Li porque ele virá para cá. Mas já li Nelson Rodrigues,
Patrícia Melo e Chico Buarque.
A senhora tem um escritor brasileiro favorito? Só por curiosidade.
Liz Calder: Machado de Assis.
[Fonte: www.estadao.com.br]
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