Estava num cantinho de uma das "capas" de ontem do UOL: "Mulher usa fama
de tatuagem para vender camisetas". Lá fui eu ver do que se tratava.
Dei o clique e abriu-se a página em que estava a matéria, agora com o
seguinte título: "Mulher que tatuou 'Haja o que hajar' usa fama na
internet para vender tatuagens".
Contradição à parte (na capa do site, a "fama" era da tatuagem; na
matéria, a fama é da mulher tatuada), a história é um tanto interessante
e mostra bem o que podem ocorrer nas tais "redes sociais", que, como se
sabe, são, quase sempre, terra de ninguém e espaço para o mais inútil
besteirol.
Diz a matéria: "A frase, atribuída a um ex-presidente do clube
(Corinthians), aparecia tatuada nas costas de Lidiane de Sousa, 30, e
virou motivo de piada pelo erro de português. Mesmo chateada com os
comentários maldosos sobre a tattoo, feita em homenagem ao marido,
Lidiane está aproveitando o sucesso na internet para vender camisetas
(...). A moradora de Goiânia diz que fez a tatuagem, ciente do erro de
português, em".
Lidiane se queixa de vários comentários maldosos e de frases irônicas
postadas aqui e ali ("Parabéns, tá serto"; "Antes de virar um tatuador,
vou estudar").
A falta de contextualização é sempre um problema. Não morro de amores
por tatuagens e, ainda que as adorasse tresloucadamente, dificilmente eu
me tatuaria com uma frase como a que está em questão, mas... Mas um
pouco de leveza na alma e no espírito talvez bastasse para entender a
brincadeira ou (sonho dos sonhos) entender que há coisas mais
importantes na vida do que perder tempo com a "correção" de coisas do
gênero.
O episódio me lembra o "Me inclua fora dessa", que volta e meia emprego
neste espaço. É batata! Não saio "ileso" nenhuma vez. Sempre há leitores
que me "corrigem" (os mais delicados) Haja dureza na alma!
Gosto --duvidoso, duvidosíssimo-- à parte (refiro-me a qualquer
tatuagem), o fato é que é mais do que evidente que a construção em tela
não pertence ao padrão culto da língua, em que se empregaria a forma
"houver" ("Haja o que houver"), do futuro do subjuntivo do
irregularíssimo verbo "haver".
Na verdade, se pensarmos que a frase da tatuagem leva em conta um
suposto verbo "hajar", deveremos imaginar que ela apresenta uma anomalia
na forma "haja", já que, se existisse o verbo "hajar", a forma "haja"
daria lugar a "haje" (verbos que terminam em "ar" fazem o presente do
subjuntivo em "e", certo?).
Lembra aquela genial canção "Inútil", dos meninos do grupo Ultraje a
Rigor? Em vez de entender o tom irônico e mordaz presente no "erro" de
concordância ("A gente somos inútil"), que deveria necessariamente ser
contextualizado, muita gente Bem, não preciso continuar, preciso?
Lembrei-me ainda de outro caso do folclore da língua e do futebol ("Fiz
que fui e acabei fondo" --a frase é atribuída a mais de um ex-jogador de
futebol). Talvez alguém tenha realmente dito isso, mas o fato é que,
hoje, se alguém quiser brincar e usar a construção, a patrulha da
descontextualização atirará paus e pedras.
Enquanto isso, dia sim, dia também, pipocam brilhantes "reflexões" do
pastor, digo, deputado federal Marco Feliciano (presidente da Comissão
de Direitos Humanos e Minorias!!!). A última de que tomei conhecimento
diz respeito ao sucesso de Caetano Veloso com a gravação da canção
"Sozinho", composta por Peninha. É de doer! Não é por acaso que o Brasil
vai mal, muito mal, em todas as avaliações internacionais de capacidade
de leitura, compreensão de textos etc. É isso.
[Fonte: www.folha.com.br]
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