Tem razão o redator que acrescentou o 'sic'? Discussões sobre delicadeza ou sutileza à parte, ele tem razão, sim
O
caro leitor deve ter acompanhado o drama vivido pelos reféns dos
bandidos que assaltaram uma fábrica de joias em Cotiporã (RS), no começo
desta semana. Felizmente, nenhum deles (os reféns) foi ferido, nem
pelos bandidos nem pelos policiais.
Assim
que os reféns foram encontrados, um oficial da Brigada Militar do Rio
Grande do Sul passou a informação pelo Twitter: "Estamos com as 9
vítimas são e salvas". Ao publicar a notícia, um site transcreveu a
mensagem do militar, acrescida de um "sic", posto entre parênteses logo
depois de "são".
Diferentemente
do que muita gente pensa, "sic" não é abreviatura ou sigla de coisa
alguma. É mesmo uma palavra (latina), que significa "assim, deste modo".
O "Houaiss" diz que é "palavra que, entre parênteses ou colchetes, se
intercala numa citação ou se pospõe a esta para indicar que o texto
original está reproduzido exatamente, por errado ou estranho que possa
parecer".
Em
outras palavras, o "sic" é uma espécie de "não fui eu", ou seja, é
empregado para que fique claro que se reproduz exatamente o que está no
original, com erro e tudo -isso, é claro, na opinião de quem acrescenta o
"sic" (há casos em que quem agrega o "sic" não tem razão alguma, e
aí...). De certa maneira, quando empregado com razão, o "sic" funciona
como uma espécie de dedo-duro.
Tem
razão o redator que acrescentou o "sic" depois de "são"? Discussões
sobre delicadeza ou sutileza à parte, o redator tem razão, sim, já que
deveríamos ter aí o feminino plural do adjetivo "são", ou seja, "sãs",
em concordância com o substantivo "vítimas", ao qual o adjetivo se
refere ("...com as 9 vítimas sãs e salvas").
O
fato é que, ao que parece, esse é um daqueles casos em que o falante
talvez não reconheça na palavra empregada os elementos que caracterizam
sua flexão. De fato, adjetivos terminados em "ão" são até comuns no
aumentativo ("bobalhão", "grandalhão", "espertalhão"), normalmente
carregado de tom pejorativo, mas, no grau normal, não são mesmo
abundantes. Para "piorar", a palavra "são" tem ainda pelo menos outros
dois valores (flexão do verbo "ser" e forma apocopada de "santo").
Posto
isso, é melhor pôr na cabeça que, quando adjetivo, "são" é do masculino
singular (o plural é "sãos"); seu feminino é "sã", cujo plural é "sãs".
É bom saber que o adjetivo "são" pertence a uma vasta família de
palavras latinas, todas ligadas à ideia de "saúde", "cura", "boa
disposição". O caro leitor já pensou que a palavra "sanatório", por
exemplo, resulta da soma de "sanus" (raiz latina de "são" e de vocábulos
como "sanar", "sanear", "insano", "saneamento") com o sufixo "-ório"
(também latino), o mesmo que existe em palavras como "consultório",
"purgatório", "crematório", "observatório", "oratório", "locutório",
entre tantas outras? Não preciso demonstrar a você a associação entre
"sanatório" e as palavras do segundo grupo, preciso?
Convém
lembrar e citar a palavra "malsão", que, de certa forma, é antônimo de
"são", já que significa "de saúde precária", "que não se curou de todo",
"em mau estado" ("Houaiss") e, por extensão, "nocivo à saúde",
"doentio", "que denota perversidade intelectual ou moral", "maléfico",
"mórbido" (também do "Houaiss"). Há muitos pensamentos malsãos por aí,
vindos de gente que se considera em pleno gozo da saúde (física e
mental). Em tempo: o feminino de "malsão" é "malsã" ("Essas análises
malsãs..."). É isso.
[Fonte: www.folha.com.br]
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