O velho ditado – a pressa é inimiga da perfeição – foi virado do avesso. Agora nada é perfeito se não for instantâneo.
A aceleração, o fenômeno contemporâneo mais vivenciado e menos compreendido, permeia o cotidiano como uma condenação coletiva e provoca relações ambíguas. De um lado o sentimento lúdico de concorrer consigo mesmo e ganhar o jogo de multiplicar atividades ao longo das inarredáveis horas de um dia. De outro o sentimento de esfacelamento, de nunca pousar em nada, vivendo uma temporalidade de zapping. Nos espíritos sobrecarregados, uma atividade deleta a outra e banaliza todas.
Viciado na aceleração, o psiquismo, por adaptação, se transforma e, na urgência do instantâneo, vai perdendo a capacidade de reflexão. Daí ser mal percebida a revolução cultural que está moldando as dimensões essenciais da vida como trabalho e as relações de amor e de amizade. Esses sentimentos, que amadureciam no tempo da convivência, encolheram em relações virtuais, efêmeras e indolores.
A impaciência que nos ataca quando um clique não produz imediatamente o resultado esperado é uma espécie de regressão infantil, resquício do tempo em que a criança quer tudo, aqui e agora. Corre a lenda que, em Hong Kong, o botão mais usado no elevador é o que apressa o fechamento das portas para ganhar uma infinitesimal fração de segundo.
A parafernália tecnológica, celulares e computadores, o milagroso Google em particular, nos habituaram a receber respostas imediatas a toda e qualquer pergunta. Uma falha de conexão é vivida como uma frustração intolerável. Instaurou- se uma relação perigosa entre informação e conhecimento. A informação estocada, que pode a qualquer momento ser acessada, não precisa ser memorizada para se tornar conhecimento. Em seu sábio “Livro das ignorãças”, Manoel de Barros sentencia: as coisas me ampliaram para menos.
Para os jovens, o ritmo dos grandes clássicos do cinema é insuportável. Hollywood adotou a estética frenética dos clipes de publicidade em que a mensagem deve passar em segundos, antes que a atenção se desvaneça.
Na linguagem escrita o despotismo da pressa se exerce de maneira ainda mais evidente. A carta tornou- se um objeto impensável abduzida no email, no SMS e na mais perfeita expressão da rapidez como valor, os 140 toques do Twitter.
A economia financeira viceja no reino da urgência. Na era industrial a confecção de um produto obedecia aos tempos e ritmos incontornáveis de transformação da matéria. Os produtos negociados no mercado financeiro são, em sua imaterialidade, de confecção instantânea e as fortunas que nele se fazem, meteóricas. Cada investidor se acredita destinado a um dia banhar- se em dinheiro como os bilionários texanos se banhavam em petróleo. O exemplo dos meninos do Silicon Valley, que, em vinte anos, se fizeram os mais ricos do mundo, excita a urgência em enriquecer.
A aceleração, que até aqui foi vivida como fator de progresso, atinge um momento em que pode se tornar fator de retrocesso. A cultura do imediato, do eterno presente, da volatilidade e da fugacidade, não favorece a compreensão de problemas que se estendem no longo prazo, a exemplo da crise ecológica, talvez o maior desafio colocado à inteligência humana. Que mentes viciadas na satisfação instantânea, no estilo zapping, serão capazes de reconhecer e equacionar um problema que se enuncia em décadas e cuja solução exige, hoje, renúncias em nome do amanhã? É mais fácil olhar para o umbigo do que para o horizonte.
As respostas à crise ecológica, que dependem essencialmente de uma mudança de mentalidades e comportamentos de pessoas, empresas e governos, esbarram no paradigma do eterno presente. Exigem sabedoria que permita entender que a tecnologia não impede a deriva dos polos, a desolação das florestas amputadas, a morte do mar e outros flagelos que reconhecemos como ameaça futura ainda que não tenham ainda invadido totalmente o presente. Exigem um saber que vai muito além da pletora de informações.
O grande T.S. Elliot se perguntava: “Onde está a sabedoria que se perdeu no saber? Onde está o saber que se perdeu na informação?”
A Rio+20 não promete grandes avanços. A conferência é mais uma etapa da lenta negociação de consensos de extrema urgência. O dissenso entre as nações não se resolve com um clique, deletando as relutantes do cenário político. A crise ecológica impõe a aceitação do longo prazo a um mundo viciado no curto prazo. Paradoxo tragicômico. Quando a urgência é vital somos incapazes de rapidez.
O Globo, 13 de maio de 2012.
Rosiska Darcy é presidente do movimento Rio Como Vamos
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