'Mestre dos Batuques' é mais uma surpresa no percurso literário do escritor e traz uma nova e irreverente aproximação à colonização portuguesa de Angola e um contraponto à voz nacional.
Após mais de duas dezenas de romances publicados, o escritor angolano José Eduardo Agualusa regressa à ficção com Mestre dos Batuques. É também um regresso à terra onde nasceu, o Huambo, e ao reino do Bailundo, e a uma mitologia africana que fica bem explícita logo no capítulo inicial, onde uma sequência musical de batuques provoca o caos numa companhia militar portuguesa sem haver um combate. A partir desse momento, a narrativa segue as vidas de vários personagens durante várias gerações e só termina após a independência de Angola.
Agualusa
resume a sua intenção literária: “Como sempre, foi a de contar uma boa
história. No caso uma história de amor, de guerra, de afirmação identitária.”
Mas essa “boa história” tem bastante a ver com a reconstituição de uma
parte da História de Angola, apesar de não ser esse apenas o objetivo do
autor: “É um romance no qual me divirto a reinventar a História, a criar uma
história alternativa, a partir de alguns factos reais. A maioria dos
portugueses, e também muitos angolanos, acredita que Angola foi colonizada
por Portugal durante quase meio milénio. Não foi. Uma larga extensão do
território onde hoje se situa Angola permaneceu independente até à primeira
metade do século XX. Eram reinos independentes. Foi o caso do reino do
Bailundo, que, neste romance, tem um papel muito importante.”
Sem
querer desvendar a ideia principal que dá vida ao romance para manter o
suspense junto dos leitores, Agualusa não deixa de levantar uma ponta do véu:
“O segredo do livro tem a ver com algo muito moderno, ou seja com algo que a
tecnologia atual vem explorando, e que, ao mesmo tempo
poderia estar ligada, ou não, a conhecimentos arcaicos. Muitas vezes, os
saberes mais antigos são também os mais modernos. O que hoje é ciência seria
magia no passado. O que no passado foi magia, pode hoje integrar disciplinas
científicas.” Ao mesmo tempo aproveita para explorar outros temas que o
fascinam, como o da construção ou a invenção da História.
A
narrativa do escritor mostra que ainda é impossível dissociar o passado de
Angola da presença portuguesa até à Independência, dada a
intensa existência de personagens portugueses no romance.
A explicação interessa, até porque a população portuguesa desconhece a
história da colonização angolana, e para Agualusa é tempo de a
lembrar: “A realidade política, cultural, social e geográfica a que
chamamos Angola é o resultado direto da presença portuguesa, em contacto
com as populações locais, assim como Portugal é o resultado da colonização
romana e árabe africana, em contacto com as populações locais. A
presença portuguesa em Angola, aliás, não se extinguiu com a
independência. Contudo, não foram apenas os portugueses que
construíram essa realidade, juntamente com as populações locais. Os
missionários protestantes, americanos, canadianos, e tantos outros,
tiveram um papel importantíssimo na história de Angola, em particular, do
centro e do sul de Angola. Os bóeres também. Não por acaso, um dos
personagens mais importantes do meu romance é filho de uma senhora
bóer.”
Será
que os leitores angolanos se interessam por este género de reconstituição
histórica ou será o leitor estrangeiro que mais se irá “deleitar”
com Mestre dos Batuques. O escritor acredita que se
interessarão e até “que se divirtam” com a leitura, porque
só eles “conseguirão compreender na totalidade algumas das situações que
criei no romance”, como é o caso da história alternativa para o reino do
Bailundo.
O mesmo se passa com a interpretação da mitologia e das crenças culturais angolanas que estão muito presentes. Esse conhecimento exigiu muita pesquisa ao autor: “Nunca escrevi nenhum romance que não exigisse trabalho de investigação, mesmo aqueles que são puros exercícios de imaginação, como O Vendedor de Passados. Cada romance dá origem a uma pequena biblioteca específica e, neste caso, foi a recolha de testemunhos de viajantes europeus que passaram por Angola naquela época.”
Quando se termina a leitura do romance Mestre dos Batuques é impossível que o leitor regular de José Eduardo Agualusa não se confronte com um registo literário diferente, mais fluido e descritivo. Era a única forma de prender o leitor aos acontecimentos que unem as várias gerações presentes na narrativa? O escritor responde: “Cada romance exige uma abordagem diferente. Neste caso, toda a história é contada por uma mulher, uma percussionista, que está situada nos dias de hoje e a olhar para o passado. Esse passado explica-o a ela, e explica as suas motivações. Ela conta a história da sua família. Conta a história de Angola. Conta a sua história.”
Mestre dos Batuques
José Eduardo Agualusa
Quetzal
270 páginas
[Fonte: www.dn.pt]
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