Escrito por Fernanda Sesifredo
Chegarão os dias que pessoas muito novas, crianças, questionarão para que serve o objecto que em qualquer dicionário se define como: "Utensílio que contém um depósito de tinta, usado para escrever, desenhar ou rabiscar": "caneta". Poderão, as pessoas, encontrar algumas canetas, lapiseiras, lápis coloridos feitos com de madeira ou cera que hoje ainda usamos, mas vê-los-ão em expositores ou vitrines fechadas a cadeado para não serem saqueadas por quem sonha com exemplares tão vulgares, quanto raros. As noticias, as cartas de amor, os poemas ou romances que os apaixonados pela escrita, por canetas e lapiseiras, deixarem para trás serão apenas memórias encarcerados em museus que contarão ao mundo a teoria do prazer de escrever no papel, preciosas relíquias de um passado que hoje, neste momento, é ainda todo meu, nosso, vosso.
Enquanto aceitamos, sem questionar, a revolução de pensar cada vez menos estamos a inventar como podemos fazer quase tudo não tendo que aprender quase nada. Seremos autómatos de carne e osso, sendo quem quisermos, tendo o que desejarmos sem o prazer de pensar. Os netos dos nossos netos não saberão escrever uma frase em bom português sem um assistente seco de sangue e desprovido de neurónios: pedirão a algum objecto com uma inteligência suprema que o faça por eles, não terão capacidade para distinguir um erro ortográfico de uma gralha, não saberão detectar erros de concordância, ignorarão os acentos ortográficos.
Todos serão tão idiotas que tudo o que fizerem ou disserem será o produto de uma sociedade que viverá sob a aura da ignorância, do desmazelo e repudio pelas letras; serão sem a alma-máter da verdadeira e pura forma de escrever, rabiscar, desenhar com os dedos- produzir o fruto do pensamento humano sem artificialismos facilitadores do ser e fazer. Quase tudo será tão fácil que todos serão grandes e prestigiados escritores, pintores, cantores, actores, médicos, engenheiros, alunos que nunca reprovam e, à distancia de um pensamento-desejo, todos serão a perfeição mais absurda e aberrante que a história do Homem conheceu.
O conhecimento será infinito; a sabedoria e a liberdade dos indivíduos não chegarão a existir porque ninguém terá aquilo que nunca construiu ou semeou com as suas ideias, com as suas mãos. O principio soberano de tudo será não sentir necessidade de trabalhar o pensamento para existir. Será um ser a viver cansado, frustrado, controlado, formatado à nascença e decapitado de seguida.
Chegarão os dias em que as pessoas serão animais irracionais, todos com pele de cordeiro a obedecerem cegamente a um só dono; nenhum animal se distinguirá dos outros de tão iguais que serão.
Não saberão pensar, questionar, porque nunca terão conhecido a caneta, a lapiseira, as tintas, o papel, os cadernos, os livros e experimentado aprender a escrever e ler, rabiscar ou pintar com as mãos que, nesses miseráveis dias, só servirão para gesticular ridiculamente no espaço vazio. Não viverão. Sobreviverão sem coração nem alma num inferno que se arrependerão de ter inventado.

[Fonte: sesifredomargaridafernanda.blogs.sapo.pt]
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