Podemos dizer que, com sua ternura musical particular, Milton Nascimento criou uma imagem de Minas Gerais e das harmonias características daquele sentimento do “ser-tão” que carregamos dentro da gente.
Escrito por Diego Jandira
Podemos dizer que, com sua ternura musical particular, Milton Nascimento criou uma imagem de Minas Gerais e das harmonias características daquele sentimento do “ser-tão” que carregamos dentro da gente. Por ele existir, sabemos que as esculturas e as igrejas de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, aguardariam cerca de duzentos anos para que a voz correspondente aos seus santos e suas catedrais nascesse.
Quando Bituca encontrou a sambista Clementina de Jesus e juntos cantaram a música “Escravos de Jó”, não foi preciso palavras para se revelar através da melodia o grito engasgado naqueles silenciosos porões do Brasil. Se é o bemol o símbolo musical da dor, Milton soube como um maestro utilizar esse recurso em sua música negra gregoriana até alcançar fundo o sentimento geral do povo. Assim, pôde dizer ao brasileiro como andava o Brasil; e do Brasil, atrair a si os olhos e ouvidos do mundo.
Foi com a sua voz ecoando imensa e total pelo Teatro Bandeirantes, em 1982, que toda uma geração se despediu da cantora Elis Regina em seu velório em São Paulo. Nos anos seguintes, essa mesma geração da mais diversa gente do povo, iria para as ruas, palcos e palanques colocar fim ao exaustivo período de regime militar- realizando, assim, um dos grandes anseios da artista.
Nesse mesmo ano, une forças ao bispo Dom Pedro Casaldáliga, grande nome da teologia da libertação na resistência cristã à ditadura, e juntos ao poeta Pedro Tierra, compõem a “Missa dos Quilombos”, disco que reconstituiria as páginas da história da escravidão queimadas por Ruy Barbosa.
Quando cantou que “o artista tem que ir aonde o povo está”, a tribo guarani-kaiowá o ouviu, e sentiu na sua voz, a acolhida real em um Brasil que descortinava por todo o seu chão os horrores das ceifadas contra a vida dos povos indígenas. E em um tempo de pouca colheita, “semente ancestral que germina na terra” (Ava Nheyeyru Iyi Yvy Renhoi), assim foi rebatizado Milton Nascimento pelos povos guaranis.
Em novembro de 2022, com a turnê “A última sessão de música”, foi encerrada em Belo Horizonte seis décadas de uma carreira sublime. Trazendo o figurino do estilista Ronaldo Fraga, inspirado na arte de Arthur Bispo do Rosário, Milton se despediu dos palcos, mas avisou: os tambores de Minas não se calaram.
[Fonte: www.diplomatique.org.br]
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