sexta-feira, 23 de agosto de 2019

O que podemos esperar de «Bacurau», filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles?


Escrito por Mariana R. Marques


Bacurau é o novo filme de Kleber Mendonça Filho, que dessa vez codirige com Juliano Dornelles. O longa estreou em Cannes e se revelou bem mais do que a premissa vista na primeira sinopse: pouco após a morte de dona Carmelita, aos 94 anos, os moradores de um pequeno povoado localizado no sertão brasileiro, chamado Bacurau, descobrem que a comunidade não consta mais nos mapas.

A história não poderia deixar de ir além, afinal, a produção já é desejo antigo, tendo sido iniciada em 2009. Os diretores contam que outros projetos acabaram vindo primeiro, e se pensarmos bem, esse tempo pode ter sido crucial para o aperfeiçoamento da narrativa, visto as diversas camadas que são reveladas ao decorrer do filme.

Bacurau entrega entretenimento e ao mesmo tempo crítica profunda, e se encaixa tão bem ao nosso cenário atual que chega ser assustador pensar no roteiro como criação de 10 anos atrás. Mendonça deu uma fala importante ao final da exibição em Cannes, “Esse é um momento muito importante no nosso país. E esse é um filme sobre resistência, sobre educação e sobre ser brasileiro no mundo”.

O filme apresenta clara reflexão entre oposição e resistência, e para que se possa entender o que dá a Bacurau essa força, vamos nos aprofundar na história. O título recebe o nome de um pássaro, e num trecho pode-se enxergar o simbolismo presente nisso; a personagem de Karine Teles pergunta o que significa bacurau, ao que uma moradora responde ser um pássaro, questionada se não está extinto, responde: “Aqui não. Mas aqui ele só sai de noite, ele é brabo”. Além disso, é o nome da cidade onde assistimos uma série de acontecimentos incomuns.

Misturando gêneros, Bacurau apresenta o sertão nordestino com nuances de fantasia, ficção científica e terror, tudo numa realidade distópica em um Brasil do amanhã (que assustadoramente, poderia ser hoje). A cidade carrega personalidades excêntricas, como o prefeito que a população não respeita e o guerrilheiro que vangloriam. Alguns acontecimentos estranhos sucedem a morte de dona Carmelita, como falta de energia, apagões de comunicação e mudança no comportamento de animais. Um grupo de estrangeiros começa a aterrorizar os moradores em uma espécie de caça humana, e a cidade de repente não se encontra mais nos mapas. Promete ser uma experiência epifânica, e pede do espectador que, da melhor forma possível, saia de sua zona de conforto.  

A resposta para o que podemos esperar de Bacurau tem tantas camadas quanto o próprio filme. Será diferente do que estamos acostumados a acompanhar no cinema nacional, com influências de diferentes estilos e uma trama complexa. Foi comparado a obras de Glauber Rocha pela forma como retrata o nordeste e seu povo, com amor e mostrando a força de quem não abaixa a cabeça.

Ponto positivo está também no elenco, que conta com Barbara Colen, Karine Teles, Antonio Saboia, Jonny Mars e Sônia Braga. Há ainda Udo Kier, cultuado ator alemão que interpreta um dos gringos interessados em exterminar a cidadezinha. Ao pensar em pontos técnicos e estéticos, podemos nos animar, levando em consideração as outras produções nas quais trabalharam ambos os diretores e também a equipe, como O Som ao Redor e Aquarius.

A importância de Bacurau é também política. Além de representar a opressão e resistência e a relação da “mania” de superioridade estrangeira, é um dos filmes que o Brasil levou a um dos mais importantes festivais da sétima arte, concorrendo ao prêmio máximo. Em meio ao que passa o audiovisual brasileiro, a ida de um filme para Cannes e outros tantos festivais mostra quão relevante é o nosso cinema. Além disso, a importância econômica também, mostra a sua relevância; nos créditos é passada uma frase que informa quantos empregos a produção possibilitou.

A soma entre importância cultural e econômica mostra a força do que o atual governo prefere derrubar. Em Cannes, Mendonça se pronunciou a respeito da luta que enfrenta o audiovisual: "É bom que essa cultura veja a luz do dia, esta luta é uma das razões pelas quais ontem chorei na cerimônia de gala", disse. Por isso, podemos esperar de Bacurau um filme com força estética, técnica, política e conceitual, e nos resta aguardar que ocupe as salas de nossos cinemas para que se confirmem as expectativas.

 

[Fonte: www.institutodecinema.com.br]

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