Fernando Schweitzer trocou Florianópolis por
Montevidéu decepcionado com crise econômica e onda conservadora no Brasil
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Fui morar
em Montevidéu em agosto de 2017. Nunca havia pisado no Uruguai, mas fazia um
tempo que queria passar uma temporada fora do Brasil. Havia sido aceita em um
mestrado em uma universidade no "paisito" e
só tinha lido boas notícias sobre o país de Pepe Mujica, da maconha, do aborto
e do casamento igualitário legalizados.
Eu
não estava sozinha: entre 2016 e 2018, aumentou em 29% os pedidos de residência
de brasileiros no país vizinho. Hoje são 19,3 mil conterrâneos por aqui. É uma
emigração que não ganha tanta mídia quanto a leva de venezuelanos atravessando
para Roraima (em agosto de 2018, o IBGE contabilizava 30 mil no Brasil). Assim
como os venezuelanos, muitos brasileiros deixam o país por questões políticas e
econômicas.
Brasileiros
têm direito a ficar no Uruguai por 90 dias com um visto de turista. Passado
esse tempo, é preciso dar entrada em um processo de visto de residência
temporária ou permanente. Depois de três meses lá, escolhi a segunda opção,
mesmo sem ter planos de morar o resto da vida no país e explico o motivo.
Uma
lei uruguaia de 2014 tornou mais fácil o processo para quem é de países membros
e associados do Mercosul. Além disso, um acordo bilateral entre Brasil e
Uruguai, de julho de 2017, simplificou ainda mais a vida de quem pensa em emigrar
para o país vizinho.
Para
dar entrada no pedido de visto de residência permanente, só precisei apresentar
passaporte, certidão de nascimento e um documento de antecedentes criminais. E
não foi preciso pagar nada. De posse de um papel que comprovava que havia
iniciado o processo de residência, pude tirar a cédula de identificação, uma
espécie de RG, documento que me permite conseguir trabalho e ter acesso a
serviços de saúde, educação, seguro social, entre outros.
Uruguai
que fala português
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Já
em terras uruguaias, não demorou muito para encontrar conterrâneos e
conterrâneas, tanto aqueles que estavam a passeio (em muitos pontos turísticos
da capital só se ouve português) quanto os que tinham adotado o país vizinho
como novo lar.
Mas
certamente foi durante as eleições de outubro passado no Brasil que mais
conversei com gente e soube de brasileiros que já estavam de malas praticamente
prontas para se mudar para o Uruguai. A quantidade me surpreendeu tanto que,
assim que 2019 chegou, resolvi buscar dados, e o que era suspeita se
transformou em fato.
Em
2018, o governo uruguaio concedeu 1.880 vistos permanentes de residência a
brasileiros. No ano anterior, esse número havia sido de 1.832 e, em 2016, de
1.458. Entre 2016 e 2018, essa quantidade aumentou 29%, segundo dados
fornecidos ao TAB pelo Ministério das Relações Exteriores uruguaio. Já os
vistos de residência temporária tiveram queda de 45% no mesmo período. Ou seja,
os brasileiros estão indo ao Uruguai pensando em lá ficar.
A
estimativa é que 19,3 mil brasileiros e brasileiras vivam no país vizinho
atualmente, de acordo com dados fornecidos ao TAB pelo
Ministério brasileiro das Relações Exteriores .
Fugindo
da discriminação
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A
mudança da professora de inglês Agness Crystal, 39, de Campinas (SP) para Montevidéu,
em novembro último, foi "repentina", embora ela nutrisse há algum
tempo a vontade de voltar a morar fora do Brasil (ela tinha passado cerca de um
ano na Alemanha e Inglaterra em 2002).
"A
decisão final veio depois que tive um desentendimento no trabalho, sobre a
minha aparência, que me cansou. Essa questão do trabalho foi a gota d'água. Mas
eu já estava farta com o processo político brasileiro, com o que estava
acontecendo no Brasil. Então, fiz minha mochila e vim. Não conhecia ninguém,
não sabia nem onde ia dormir, não reservei hostel, foi um impulso de sair do
Brasil em primeiro lugar", relembra.
A situação política ao qual ela se
refere tem a ver com o acirramento que tomou conta do país durante a campanha
de 2018. "Parte da sociedade se revelou assustadora por se identificar com
um discurso conservador, o que rompeu um pouco a minha identidade com o Brasil,
como se você se sentisse estrangeiro dentro do seu próprio país".
Escolhi o Uruguai um
pouco por causa desse mito de país mais democrático, mais progressista, mais
libertário em alguns pontos, embora ele seja conservador também
Agness Crystal, professora
de inglês
Agness Crystal conta que a questão da
segurança pessoal também pesou, tanto da decisão de sair no Brasil quanto na de
se mudar para o Uruguai. "As pessoas LGBT em geral e, em especial, as
pessoas transgênero, estão muito visadas por esse discurso de ódio no Brasil. O
país já é o que mais mata trans no mundo e, com esse discurso, a coisa vai
piorar muito. [...] E um dos motivos que me atraiu para o Uruguai foi a lei
trans que tinha sido aprovada recentemente. Pensei que ter o respaldo do Estado
poderia facilitar muito a vida".
Em outubro de 2018, o Congresso
uruguaio aprovou a Lei Integral para Pessoas Trans focado na
população trans do país. A legislação facilita a alteração de nome e sexo nos
documentos de identificação, o acesso a tratamentos hormonais e cirúrgicos de
mudança de sexo no sistema público de saúde, estabelece cotas para pessoas
trans em postos de trabalho no serviço público e em bolsas de estudo, além de
estabelecer indenização às pessoas que foram vítimas de violência institucional
por causa da sua identidade de gênero durante a ditadura militar.
A professora conta que os primeiros
meses no Uruguai têm sido "maravilhosos". "Tive o privilégio de
conhecer pessoas muito solidárias, através de amigos comuns do Brasil, que se mobilizaram
para me ajudar nesse início, para conseguir trabalho. Nas ruas, eu sinto que as
pessoas são mais respeitosas, não ficam fazendo piadinha, mexendo com a gente,
ao contrário do Brasil, que sempre tem, e muitas vezes é grosseiro". Agness
Crystal trabalha atualmente na limpeza e manutenção do zoológico da cidade,
além de prestar serviço como diarista.
Perseguição política
No começo de dezembro, o ator e diretor
teatral Fernando Schweitzer, 39, saiu de Florianópolis e foi para Montevidéu só
com a passagem de ida. A decisão foi tomada, segundo ele, após a vitória do
presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Ele conta que sofreu ataques virtuais
já na noite do primeiro turno, depois que gravou e publicou um vídeo no
Facebook declarando seu voto no então candidato Ciro Gomes (PDT). "Um
monte de gente começou a me adicionar e a me xingar no Facebook; sofri algumas
ameaças, e na mesma noite o meu perfil foi bloqueado, ficando assim por 31
dias. Ativei um segundo perfil que eu tinha, e novamente um monte de gente
começou a me adicionar. Foi quando decidi que eu tinha que sair do Brasil
porque eu não estava com saco de me envolver em briga política", lembra.
"Minha primeira alternativa foi o
Uruguai, por questão de distância e por causa das liberdades individuais. Hoje
o Uruguai é um dos países com maior nível de liberdades individuais, com leis
que protegem o indivíduo, o cidadão, independente do seu credo, religião,
orientação sexual", argumenta.
Esta não é a primeira vez que ele se aventura fora do país. Entre 2008 e 2013, o ator morou em Buenos Aires. "Eu já tinha saído do Brasil na época do governo Dilma que, para mim, já era um retrocesso, já sentia que era muito reacionário. Mas claro que jamais imaginaria que chegaria ao nível que o Brasil chegou agora". Em 2013, ele voltou a morar no Brasil quando surgiu uma oportunidade de trabalho.
Insatisfeita com o Brasil
Ao contrário de Agness Crystal e
Fernando Schweitzer, a empresária Tamy Cohen, 33 anos, já conhecia bem o
Uruguai antes de tomar a decisão de sair de São Paulo para viver em Montevidéu.
Filha de uruguaios, ela lembra de ter passado muitas férias de verão no país.
Mas a escolha pelo "paisito"
envolveu outros fatores, como a vontade de sair o quanto antes do Brasil e um
relacionamento amoroso com um uruguaio. Ela conta que começou a planejar a
mudança um ano antes.
"Eu não estava muito satisfeita
com o país, tanto econômica quanto culturalmente. Comecei a priorizar minha
vida pessoal, pensar em ter filhos e não tinha condições de ter filho no Brasil
porque eu não podia sair de casa sem que alguém me abordasse e me pedisse algo.
Eu achava muito perigoso tudo."
A empresária Tamy Cohen migrou para o Uruguai pela segurança e
a qualidade de vida que não encontrava em São Paulo
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A
paulistana diz que inicialmente pensou em ir para Israel. "É onde minha
mãe mora, onde tenho amigos, vou três vezes ao ano, onde me sinto super em
casa. Mas aí eu estive em uma festa em Buenos Aires, conheci um uruguaio e
acabei vindo pra cá".
Tamy
Cohen se mudou em outubro passado e diz que se adaptou bem e rápido à nova
vida, muito por já conhecer o país e o idioma. "Para mim foi fácil, me
adaptei bem, mas lógico que sinto falta do povo brasileiro e da família. Mas o
resto, eu estou bem satisfeita".
Para
ela, o melhor destes meses que tem vivido na capital uruguaia é a qualidade de
vida. "Aqui é outro ritmo. Lá em São Paulo, eu virava a noite trabalhando,
lá tem essa cultura de workaholic. Aqui,
talvez por estar longe do meu negócio fisicamente, quando dá 17h30, eu priorizo
minha vida pessoal, vou fazer academia, vou correr na praia", relata a
empresária que tem uma pequena fábrica de corte de tecidos a laser que ela
agora administra à distância.
A
empresária pondera apenas a questão da violência, que tem aumentado
recentemente no país. "As pessoas dizem que realmente está perigoso, mas
para quem morou em SP, aqui é fichinha, é nada. O problema daqui é que está
começando a ter muito morador de rua, muita gente que tá vindo de fora, sem
documentação, aí não consegue trabalho. Ocorrem mais furtos, roubos, mas não é
aquela coisa de São Paulo que você sai de casa e não sabe se vai voltar".
Visto
até recentemente como uma ilha de tranquilidade em meio aos altos índices de
violência registrados na América Latina, o Uruguai vive atualmente uma explosão
na quantidade de crimes. Em 2018, o número de assassinatos subiu 35% em relação
a 2017.
Um
relatório divulgado no começo do ano pela Fundapro (Fundação Propostas), ligada
ao Partido Colorado, que faz oposição ao governo do presidente Tabaré Vázquez,
revelou que em 2018 ocorreram 382 homicídios no país, uma média de um
assassinato a cada 23 horas. Os dados são baseados em notícias divulgadas pela
imprensa. O governo uruguaio ainda não tornou público o balanço oficial de
assassinatos ocorridos no ano passado.
Se
essa quantidade for confirmada, a taxa de homicídios do país será de 11,2 por
cem mil habitantes. O Brasil tem uma taxa de 30,3 mortes, segundo a edição mais
recente do Atlas da Violência 2018, divulgado em junho do ano passado e
elaborado com base em dados do Ministério da Saúde.
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