Uma cruzada pela redenção científica e
cultural dos nomes escabrosos
Escrito por Sérgio Rodrigues
A neurocientista inglesa Emma
Byrne é hoje a voz mais eloquente na defesa de uma causa controversa: a cruzada
pela redenção de todas as palavras cabeludas, pegajosas, ofensivas, fedorentas
e escandalosas do mundo.
"Bichos
escrotos, saiam dos esgotos!", poderia cantar, citando Titãs, a autora de
"Swearing is Good for You: The Amazing Science of Bad Language" —na
tradução lançada em Portugal ano passado, a única disponível em nossa língua,
"Dizer Palavrões Faz Bem: A Incrível Ciência do Calão".
Se
a causa é polêmica, isso não se deve a uma insuficiência de méritos do objeto,
que pesquisas sucessivas garantem ser crucial na economia psíquica dos
indivíduos e no equilíbrio socioemocional das coletividades humanas.
A
controvérsia é apenas moral, campo em que os palavrões são
associados a fatores exclusivamente negativos: agressividade, descontrole,
falta de educação e racionalidade, escassez de vocabulário e até de
inteligência.
A
acusação de falta de educação e racionalidade pode ser difícil de contestar,
sobretudo num momento histórico em que o insulto
se tornou —não só no Brasil— substituto das ideias no debate político.
As outras pechas são caluniosas.
O
recurso ao palavrão diante de monstruosidades —como, digamos, Brumadinho ou Renan Calheiros— não
revela pobreza de vocabulário ou de inteligência. Como diria Byrne, que salpica
palavrões pesados em seu livro: "Fuck, no!".
Quanto à agressividade, há
indícios de que o risco de violência física é na verdade atenuado pelo termo
grosseiro, que tem ainda poderes anestésicos, alivia o estresse e fortalece
laços sociais.
A
linha de pesquisa mais promissora é a que engatinha no desvendamento dos
processos mentais que engendram a linguagem. Aqui os palavrões se firmam como
uma reserva profunda, primeva e resiliente de recursos linguísticos, mais
ligados às emoções do que à razão. Há casos de pacientes com lesões cerebrais
que perderam quase por completo a fala, com uma única exceção: xingam como
piratas profissionais.
Além
de pesquisadora na área de inteligência artificial, Emma Byrne é uma competente
divulgadora científica, articulista assídua em jornais e revistas do mundo
anglófono. E é no cruzamento dessas capacidades que compila em seu livro um
grande volume de informações sobre a ciência do nome sujo.
Não
dispensa frivolidades saborosas, como as evidências estatísticas de que pessoas
de esquerda dizem mais palavrões que pessoas de direita. E de que as mulheres,
historicamente menos dadas ao xingamento, logo empatarão com os homens nesse
quesito.
Byrne
observa também que palavrões são de definição difícil, sujeitos a variações
históricas e culturais de todo tipo. No Japão, informa, o tabu relacionado com
excreções quase não existe: uma ofensa como "seu merda" não faria
carreira por lá. Em compensação, "kichigai" (que ela traduz
livremente como "retardado mental") vira apito em programas de TV.
Sobre
a relatividade do que é ofensivo, uma das melhores histórias envolve o
primeiro-ministro britânico Winston Churchill, que contava ter sido repreendido
certa vez por uma grã-fina americana porque, num banquete em que serviam
galinha, pediu "peito".
"Neste
país pedimos carne branca ou carne escura", pontificou a mulher. A flor
que Churchill lhe fez gentilmente chegar em seguida foi acompanhada de um
bilhete: "Ficaria muito grato se a pregasse em sua carne branca".
[Fonte: www.uol.com.br]
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