Bruxelas teme que novo governo
brasileiro estabeleça uma aliança estratégica com os EUA
Escrito
por Jamil Chade
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Textos acadêmicos escritos
pelo futuro chanceler brasileiro, Ernesto
Araújo, passaram a circular pela comunidade diplomática em
Bruxelas nesta quinta-feira, 15, deixando autoridades da União Europeia preocupados
com a postura que o novo governo brasileiro adotará em relação aos europeus.
Num desses textos, o novo ministro diz que a Europa significa hoje “apenas um
conceito burocrático e um espaço culturalmente vazio regido por
'valores' abstratos”.
Suas críticas foram publicadas nos Cadernos de
Política Exterior, do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI),
no segundo semestre de 2017. No texto, o futuro ministro indicado pelo presidente
eleito Jair Bolsonaro sai
em defesa das políticas de Donald
Trump e seu papel em “salvar” o Ocidente. No
Parlamento Europeu, a notícia sobre o novo ministro também foi recebida com
“cautela”.
Nos
bastidores da Comissão Europeia, o Estado apurou que a escolha do
novo chanceler foi recebida como uma confirmação de que o governo brasileiro
buscará uma aliança estratégica com os Estados Unidos. Diante da vitória de
Bolsonaro, Bruxelas passou a tentar avançar nas negociações para a criação de um
acordo comercial com o Brasil, antes do final do governo de Michel Temer.
Oficialmente, porém, a ordem é a de mostrar o compromisso com
Brasília. “A UE e o Brasil tem uma parceria de longa data na esfera
internacional em muitas áreas, tais como paz e segurança, comércio, ciência e
tecnologia, energia, clima e direitos humanos”, indicou a Comissão em um
comunicado. “Não prejulgamos as ações que o futuro ministro de Relações
Exteriores tomará uma vez no trabalho e trabalharemos para fortalecer nossa
parceria com o novo governo”, declarou.
Mas trechos de seu texto chamaram a atenção nos corredores em
Bruxelas, principalmente diante das críticas em relação à construção da UE.
Nele, o futuro chanceler aponta que “a fundação da União Europeia anulou,
pasteurizou todo o passado”. “Os europeus de hoje podem até estudar sua
história, mas não a vivem como um destino, muito menos a celebram, nem a
entendem como 'sua', não veem nela um sentido nem um chamado”, escreveu.
“É interessante ler lado a lado os historiadores europeus que
escrevem hoje sobre a Grécia e Roma, por exemplo, ou sobre qualquer outro
assunto, e aqueles que escreviam no século XIX, antes do grande cataclisma, da
grande desnacionalização do Ocidente a partir da Primeira Guerra”,
disse. “Aqueles de então viam‐se claramente dentro da História que
contavam, participavam, falavam com a paixão e o empenho de quem sente, de quem
conhece as pessoas de que fala, eram íntimos de Péricles e Godofredo de
Bulhões”, apontou.
“Os de hoje escrevem uma história fria, seus personagens não têm
vida, são meras figuras esquemáticas, parece que estão escrevendo história por
obrigação, nenhum sentimento do destino ou do mistério os conduz, não têm
imaginação, não se conseguem ver a si mesmos empunhando uma lança na falange macedônia ou
içando as velas na Santa Maria”, destacou o futuro ministro.
“Já os historiadores norte‐americanos de hoje – pelo menos
alguns deles, os que escrevem para o grande público e não para a academia –
parecem‐se àqueles europeus do século XIX, pois ainda
contam a história americana como uma história de carne e osso, uma história que
consegue comunicar o presente com o passado”, comparou.
“A Europa pós‐moderna – junto com os Estados Unidos que, até Obama, cada vez
mais se assemelhavam à Europa – viviam ultimamente numa espécie de tanque de
isolamento histórico, viviam já fora da história, depois da história, num
estado de espírito (ou falta de espírito) onde o passado é um território
estranho”, escreveu.
“Os europeus de hoje não sentem mais que façam parte da mesma
história que seus antepassados, como sentiam até o começo do século XX”,
disse.
“Já não se percebem como atores do mesmo drama que colocou em cena
os cretenses e seu minotauro, os aqueus às portas de Troia, Eneias caindo de
joelhos ao entender que o Lácio era sua terra prometida (salve fatis mihi
debita tellus), Salamina e as Termópilas, Alexandre em busca da imortalidade,
Aníbal com seus elefantes às portas de Roma, as legiões chegando à Lusitânia e
maravilhando‐se ao contemplar pela primeira vez as ondas majestosas do
Atlântico”, escreveu.
“Nada disso significa mais nada para um europeu – é como se ele
houvesse deixado o palco e sentado na plateia, 'já não é comigo'”,
apontou o futuro chanceler. “Só quem ainda leva a sério a história do
Ocidente, só quem continua sendo ator e não mero espectador, são
os norte‐americanos, ou pelo menos alguns norte‐americanos. Hoje, é
muito mais fácil encontrar um ocidentalista convicto no Kansas ou em Idaho do
que em Paris ou Berlim”, completou.
Entre pessoas próximas à Comissão, os comentários do futuro chanceler
podem representar uma pressão extra sobre a UE, que já sofre uma cobrança
por parte sociedade civil e deputados para que o acordo com o Mercosul seja
suspenso. Em nome de parlamentares de partidos socialistas, o francês Emmanuel
Maurel emitiu na semana passada uma carta para a Comissão Europeia cobrando uma
suspensão do diálogo com o Mercosul.
“A Comissão
sempre diz que os acordos de parceria da UE são baseados em valores
democráticos, humanistas e progressivos”, escreveu. “Bolsonaro representa o
polo oposto de todos esses princípios básicos”, acusou. “Os discursos dele (Bolsonaro),
abertamente contra mulheres, homossexuais, pretos e populações nativas, sua
política com base na força militar, suas gangues armadas intimidando, agindo de
forma volta e assassinatos, suas declarações sobre a saída do Brasil do Acordo
de Paris e a abertura da Amazônia para a agricultura são incompatíveis, ao meu
ver e na visão dos democratas, com os valores da UE”, declarou.
“Quando é que a Comissão anunciará a total paralisação das
negociações com o Mercosul?”, cobrou o deputado. “Ela vai declarar que, dada a
situação, não haverá uma negociação separada com o Brasil?”, atacou.
Minutas da reunião mantida na última sexta-feira entre os
ministros europeus de Comércio ainda revelam a pressão feita pelas ONGs
europeias do setor de proteção animal contra o acordo. “Sob as atuais condições
do Brasil, os sinais relacionados à sociedade civil e à vontade política
para cooperar são claramente negativas e, portanto, acreditamos que a UE não
deve entrar em um compromisso de longo prazo com o Brasil, salvo se souber
quais são as reais intenções do novo governo”, indicou a minuta do encontro,
citando as ONGs. “Precisamos de tempo para saber para onde o Brasil irá”,
declararam.
[Foto:
Dida Sampaio – fonte: www.estadao.com.br]
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