Obra seminal do
romance moderno, do catalão Joanot Martorell, foi publicada em três volumes
pela Documenta, chancela da editora Sistema Solar.
Escrito por LUÍS
MIGUEL QUEIRÓS
A tradução para português de uma novela de cavalaria crucial para o desenvolvimento do romance moderno na Europa, Tirant lo Blanc, do catalão Joanot Martorell, postumamente publicada em 1490, valeu a Artur Guerra o prémio de tradução literária da Fundação Ramon Llull, no valor de quatro mil euros, atribuído esta sexta-feira por um júri que salientou “a extensa e sólida carreira” do premiado enquanto “tradutor de diferentes línguas latinas”.
Obra central da literatura catalã – a sua influência em Cervantes é reconhecida pelo próprio autor do D. Quixote –, foi publicada em três volumes, entre 2015 e 2018, pela editora Documenta, chancela da Sistema Solar, com tradução e notas de Artur Guerra e desenhos e xilogravuras da pintora Ilda David.
O júri do prémio Ramon Llull, presidido pelo poeta, tradutor e crítico literário Francesc Parcerisas, sublinha que se trata de uma tradução “de grande dificuldade técnica", uma vez que foi feita “a partir de uma obra escrita em catalão medieval” e de reconhecida “importância cultural e valor literário”.
A tradução para português de uma novela de cavalaria crucial para o desenvolvimento do romance moderno na Europa, Tirant lo Blanc, do catalão Joanot Martorell, postumamente publicada em 1490, valeu a Artur Guerra o prémio de tradução literária da Fundação Ramon Llull, no valor de quatro mil euros, atribuído esta sexta-feira por um júri que salientou “a extensa e sólida carreira” do premiado enquanto “tradutor de diferentes línguas latinas”.
Obra central da literatura catalã – a sua influência em Cervantes é reconhecida pelo próprio autor do D. Quixote –, foi publicada em três volumes, entre 2015 e 2018, pela editora Documenta, chancela da Sistema Solar, com tradução e notas de Artur Guerra e desenhos e xilogravuras da pintora Ilda David.
O júri do prémio Ramon Llull, presidido pelo poeta, tradutor e crítico literário Francesc Parcerisas, sublinha que se trata de uma tradução “de grande dificuldade técnica", uma vez que foi feita “a partir de uma obra escrita em catalão medieval” e de reconhecida “importância cultural e valor literário”.
Escrita por um fidalgo valenciano da pequena nobreza, Joanot Martorell, cuja família estava ligada à corte de Aragão e ao duque de Gandia, esta narrativa seminal do romance moderno conta, em nada menos do que 487 capítulos, as peripécias do intrépido cavaleiro Tirante, desde o momento em que é feito cavaleiro em Inglaterra até encontrar a morte em terras bizantinas, quando já libertara o império dos turcos e se tornara herdeiro do trono imperial de Constantinopla.
Famoso na época pelo seu feitio belicoso e pelos muitos
conflitos e querelas judiciais em que se viu envolvido, Martorell nasceu em
Valência, possivelmente em 1413, e começou a escrever em 1460 este romance
expressamente dedicado ao “sereníssimo príncipe Dom Fernando de Portugal”,
elogiado como “mui excelente, virtuoso e glorioso príncipe, rei expectante”.
Filho segundo de D. Duarte, D. Fernando, duque de Viseu, viu o seu irmão Pedro
ser proclamado conde de Barcelona em 1463 e ele próprio ali viveu num período
que coincidiu com o final da vida de Martorell, que terá morrido no primeiro
semestre de 1465 sem ver publicado o livro a que dedicou os seus últimos anos,
e que só em 1490 viria a ser publicado.
Na primeira parte do D. Quixote de la Mancha, Cervantes põe o padre-cura local, consultor do seu herói em matéria de romances de cavalaria, a elogiar o livro de Martorell. O excerto aparece transcrito na contracapa do volume inaugural desta primeira edição portuguesa de Tirant lo Blanc: "— Valha-me Deus! — disse o cura, soltando um grande brado —, que aqui está o Tirant lo Blanc! Dai-mo cá, compadre, que eu agirei como quem encontrou nele um tesouro de contentamento e uma mina de passatempos. (…) A verdade vos digo, senhor compadre, que em razão de estilo não há no mundo livro melhor: aqui os cavaleiros comem e dormem, morrem nas suas camas e fazem testamento antes de morrer, com outras coisas mais que faltam em todos os livros deste género”.
Dispensando muitas marcas características do romance de cavalaria, com os seus amores puros e a sua estrita moralidade, Tirant lo Blanc lança um olhar naturalista e satírico para os costumes e vícios da sociedade do seu tempo, havendo mesmo quem o considere o primeiro romance realista da literatura ocidental. E se se desvia da realidade ao imaginar um outro desenlace para a queda de Constantinopla e a destruição do Império Romano do Oriente, que ocorrera em 1453, poucos anos antes de Martorell iniciar a sua obra, também há quem por isso mesmo o credite como um longínquo antecessor dos actuais exercícios ficcionais de história alternativa.
Dispensando muitas marcas características do romance de cavalaria, com os seus amores puros e a sua estrita moralidade, Tirant lo Blanc lança um olhar naturalista e satírico para os costumes e vícios da sociedade do seu tempo, havendo mesmo quem o considere o primeiro romance realista da literatura ocidental. E se se desvia da realidade ao imaginar um outro desenlace para a queda de Constantinopla e a destruição do Império Romano do Oriente, que ocorrera em 1453, poucos anos antes de Martorell iniciar a sua obra, também há quem por isso mesmo o credite como um longínquo antecessor dos actuais exercícios ficcionais de história alternativa.
Nascido em 1949 em Silvã de Cima (Sátão,
Viseu), Artur Guerra, o responsável por colmatar esta evidente lacuna cultural
que era a falta de uma tradução portuguesa do Tirant – se não
levarmos demasiado à letra o que diz o próprio Martorell, que pretende ter
traduzido o livro "do inglês para a língua portuguesa, e depois para a
língua vulgar valenciana [ou seja, catalão]" –, é licenciado em
Filosofia pela Universidade de São Tomás, em Roma, e pela Universidade Clássica
de Lisboa, e formou-se ainda em Teologia em Valência. Tradutor de castelhano,
catalão e italiano, devem-se-lhe, por exemplo, traduções de Ortega
y Gasset (A
Rebelião das Massas), Miguel Unamuno (Do Sentimento Trágico
da Vida e A Agonia do Cristianismo), Maria Zambrano, Miguel Delibes, Carlo Coccioli,
ou Daniel Innerarity.
[Fonte: www.publico.pt]
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