Messi e Neymar se preparam para cobrança de falta em jogo do Barcelona
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Escrito por Sérgio Rodrigues
Meu interlocutor, uma pessoa inteligente e bem informada,
quer saber minha opinião sobre "gol de bola parada". A princípio não
entendo se ele está falando de língua ou futebol. Quando enfim entendo, fico mais confuso ainda.
"Se a bola está parada, como pode ser gol? Não
existe gol sem movimento, existe? A bola tem que cruzar a linha!", exulta
ele. Está convicto de que seus argumentos provam por 7 a 1 que "gol de
bola parada" é uma locução absurda, desprovida de lógica, embora
jornalistas esportivos a repitam o tempo todo.
No início penso que meu interlocutor quer fazer graça.
Demoro um pouco a me dar conta de que estou –mais uma vez– diante de um
podólatra da letra.
A quem não foi alfabetizado em futebolês convém explicar
que "gol de bola parada" é aquele marcado como resultado imediato da
cobrança de uma falta ou escanteio. Nesses momentos a bola está de fato parada,
dando tempo aos dois times para distribuir em campo suas peças de ataque e
defesa.
Desnecessário dizer que, no próprio ato da cobrança da
falta ou escanteio, a bola será posta em movimento outra vez, certo? "Gol
de bola parada" é, portanto, uma expressão condensada e elíptica que
poderíamos desdobrar assim: "gol (surgido de uma jogada) de bola
parada".
Não há nada errado nisso. Em primeiro lugar, está por
nascer um torcedor que deixe de entender a locução "gol de bola
parada". Em segundo, a economia verbal é um dos valores fundamentais em
ação no movimento histórico das línguas.
Ou Vossa Mercê –digo, vosmecê, ou melhor, você– não sabe
que aquilo que pode ser dito com menos palavras e sílabas quase sempre será? Na
verdade, o único erro dessa história está na formatação literal demais da
cabeça do meu interlocutor, que mesmo sendo inteligente e bem informado
(nenhuma ironia nisso) sucumbiu à podolatria da letra, isto é, à tara no pé da
letra. Tem vasta companhia.
Para provar que é uma furada o apego excessivo ao sentido
mais literal, denotativo e chão das palavras, bastaria dizer que nem a
expressão metafórica "pé da letra" pode ser tomada ao pé da letra.
Desde quando letra tem pé?
Difícil dizer se a internet fez brotar uma aguerrida
geração de podólatras ou se apenas deu voz a tarados do literalismo que sempre
estiveram lá, à espera de uma oportunidade. O fato é que eles têm provocado um
número inédito de marolas na superfície das discussões sobre a língua.
A tentativa de substituir a correta expressão "risco
de vida" pela biônica "risco de morte" é a mais vistosa de suas
obras. A implicância com a dupla negação, um traço histórico do português,
também comove muita gente: "Arrá! Quem não faz nada faz alguma
coisa!"
Outras pérolas de seu repertório: "Não tire a
pressão do paciente, porque sem pressão ele morre"; "Entendo você se
irritar com o mau atendimento, mas se 'pagar geral' vai ficar sem dinheiro";
"O que vem 'antes de mais nada' vem por último"; "Engenheiro
elétrico dá choque".
O et cetera é gigante. Além de ser uma perda de tempo
–para eles e para todo mundo–, o empenho dos podólatras em corrigir o que não
está errado deixa a língua cinzenta e inóspita, com um ventinho gelado soprando
nas ruas desertas. Felizmente, doses diárias de metáforas, elipses e bom-senso
fazem milagre.
[Foto: Alberto
Estévez/Efe -
fonte: www.folha.com.br]
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