Na semana passada, trocamos dois dedos de prosa sobre alguns casos
do emprego do ponto e vírgula.
Como vimos, o uso desse sinal de pontuação exige a percepção de aspectos
sintáticos e estilísticos. É fundamental levar em conta a construção, o que se
quer enfatizar etc.
Vamos trocar mais dois dedos de prosa sobre outro sinal de
pontuação, não menos nobre que o ponto e vírgula: a vírgula, que, por incrível
que pareça, ainda é apresentada em muitas salas de aula deste país como um
sinal ligado à respiração.
"Cada vez que se respira, coloca-se uma vírgula", diz a
lenda. Nas minhas palestras Brasil afora, é comum o questionamento sobre esse
sinal de pontuação e é mais do que comum a constatação de que a
"tese" da relação vírgula/pulmão ainda é viva. Não há quem me
desminta quando digo que ainda se diz/ouve essa "tese" de norte a
sul.
É óbvio que os muitos empregos da vírgula não cabem num texto do
tamanho deste, mas é perfeitamente possível mostrar alguns dos tantos casos
mais significativos. Uma dessas situações pode ser ilustrada pela pergunta do
leitor Cesar A. A. Jacob, meu conterrâneo, isto é, guaratinguetaense. Jacob
mandou esta questão: "Sempre aprendi que o advérbio deveria vir entre
vírgulas, mesmo que, às vezes, a frase fique truncada.
Quando vi que não colocou os advérbios entre vírgulas, senti que
há uma esperança de me libertar dessas verdadeiras amarras dos tempos
escolares. Como pontuar, afinal, nesses casos?".
O leitor acertou na mosca quando se referiu a "essas
verdadeiras amarras escolares". Tomemos como exemplo o próprio texto do
leitor, que na passagem "...mesmo que, às vezes, a frase fique
truncada" optou por pôr entre vírgulas a expressão adverbial "às
vezes", que vem entre a locução conjuntiva "mesmo que" e "a
frase", sujeito da oração introduzida por "mesmo que".
Vamos lá. Teria sido perfeitamente possível deixar
"livre" a expressão adverbial "às vezes", ou seja, teria
sido possível não empregar as duas vírgulas ("...mesmo que às vezes a
frase fique truncada"). É bom que se diga que, com as duas vírgulas, a
expressão "às vezes" ganha ênfase, o que não ocorreria se não fossem
empregadas as vírgulas.
O que não se pode fazer de jeito nenhum nesses casos é empregar a
chamada "vírgula solteira", que é aquela que perde o par no meio do
caminho. Tradução: ou se escreve "...mesmo que, às vezes, a frase fique
truncada" ou se escreve "...mesmo que às vezes a frase fique
truncada". O que não se pode fazer é optar por uma destas duas
construções: "...mesmo que às vezes, a frase fique truncada" e
"...mesmo que, às vezes a frase fique truncada".
Quando se trata de expressão adverbial intercalada, ou duas ou
nenhuma; uma só, não! Vejamos outro caso: "O presidente eleito disse,
durante a campanha, que construirá um muro entre o México e os EUA";
"O presidente eleito disse durante a campanha que construirá um muro entre
o México e os EUA".
As erradas: "O presidente eleito disse durante a campanha,
que construirá um muro..."; "O presidente eleito disse, durante a
campanha que construirá um muro...".
A opção por uma das duas formas corretas deve levar em conta
determinados aspectos. Já vimos alguns deles, mas talvez valha a pena voltar ao
tema para vermos outros desses aspectos. É isso.
[Fonte: www.folha.com.br]
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