Embora eu já tenha tratado do tema há algum tempo, muitos
leitores me pediram que comentasse o uso desencontrado dos pronomes "Vossa
Excelência" e "Sua Excelência" nas últimas sessões do Senado.
Quem assistiu a essas sessões ou ao menos a parte delas deve
ter percebido que, de fato, em situações análogas, foi um tal de "Sua
Excelência é isso", "Vossa Excelência é aquilo".
Os leitores não se limitaram à diferença entre "Sua
Excelência" e "Vossa Excelência". Alguns quiseram saber
"por que se usa o verbo no singular se 'vossa' é plural?".
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Plenário do Senado lotado antes de votação do impeachment de Dilma Rousseff |
De fato, quando é pronome possessivo, "vossa" é da
segunda pessoa do plural, caso em que se associa ao pronome pessoal
"vós", também da segunda pessoa do plural: "Vós também tendes os
vossos momentos de dúvida" ("Houaiss").
Em determinados casos (na linguagem religiosa, por exemplo),
empregam-se os pronomes "vós" e "vosso" em relação a um
único ser: "...bendita sois vós entre as mulheres, bendito é o fruto do
vosso ventre, Jesus". É claro que nesse caso "Jesus" é aposto, e
não vocativo, já que a mensagem não é dirigida a ele (como se sabe, a mensagem
é dirigida a Maria). O termo "Jesus" é aposto porque esclarece,
explica a expressão "o fruto do vosso ventre".
Pois bem. Quando a palavra "vossa" integra o
pronome de tratamento "Vossa "Excelência", a questão é outra.
Como ocorre com esse e com todos os pronomes de tratamento semelhantes
("Vossa Santidade", "Vossa Alteza", "Vossa
Senhoria" etc.), a concordância (verbal e nominal) se faz na terceira
pessoa, o que significa que, em termos práticos, fazer a concordância com esses
pronomes é como fazer a concordância com "você", "o
senhor", "a senhora", "ele" "ela" etc.
Moral da história: ao se dirigir diretamente a um colega (ou
a uma colega), um senador ou senadora deve dizer "Vossa Excelência é um
canalha" (ou "uma canalha"), e não "Sua Excelência é um/a
canalha", muito menos "Vossa Excelência (ou 'Sua Excelência') sois
canalha".
Exagerei no exemplo, caro leitor? Acho que não. Tirei-o do
que vimos nos últimos dias. O que imperou na Câmara Alta da nação ("o
conselho dos antigos", como os romanos se referiam ao Senado, palavra que
é da mesma família de "senhor", "senil", "sênior"
etc., ou seja, os mais maduros, experientes, equilibrados...) foi a finesse, a
lhaneza...
Na segunda-feira, ouvi muitas vezes gente que ocupava a
tribuna empregar "Sua Excelência" quando dirigia a palavra
diretamente a Dilma Rousseff, que lá estava. Como muitas vezes eu peguei essas
falas no meio, foi preciso esperar a sequência da exposição para saber se quem
falava realmente se referia a outrem ou se dirigia a palavra a Dilma.
Como já se pode e já se pôde deduzir, emprega-se "Vossa
"Excelência" quando se dirige a palavra diretamente a uma autoridade
constituída; emprega-se "Sua Excelência" quando se fala dessa
autoridade, mas não se dirige a palavra a ela, ainda que ela esteja presente.
Assim, um senador pode dizer a outro algo como "Vossa
Excelência é canalha"; um terceiro senador pode interferir e perguntar a
quem acabou de emitir o galanteio algo como "Por que Vossa Excelência
disse que Sua Excelência é canalha?".
Antes que me esqueça, é bom lembrar que "canalha"
também é coletivo (de canalhas, é claro): "É tudo uma grande
canalha". É isso.
[Foto: Renato Costa/Folhapress – fonte: www.folha.com.br]
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