Pasquale Cipro Neto:
Data venia, ministra Cármen Lúcia, o
cargo é de 'presidente' ou 'presidenta'
Na sessão de
10.ago, o atual presidente do STF disse o seguinte:
"Então eu concedo a palavra à eminente ministra Cármen Lúcia, nossa
presidenta eleita... Ou presidente?". A resposta da ministra foi esta:
"Eu fui estudante e eu sou amante da língua portuguesa, eu acho que o
cargo é de presidente, não é não?". 'Data venia', Excelência, o cargo é de
presidente ou presidenta.
Essa questão
atormenta o país desde que Dilma Rousseff venceu a primeira eleição e disse que
queria ser chamada de "presidenta", porque, para ela, a forma
feminina acentua a sua condição de mulher, a primeira mulher a presidir o país.
Esse argumento me
parece frouxo e um tanto infantil. O que acentua o fato de Dilma ser mulher é
justamente o fato de ela ser mulher, mas respeito a escolha dela e os que acham
justo esse argumento.
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O que não se pode,
de jeito nenhum, é ditar "regras" linguísticas totalmente desprovidas
de fundamento técnico, mas foi justamente isso o que mais se viu/ouviu/leu
desde que Dilma manifestou a sua preferência por "presidenta", forma
que não foi inventada por ela.
Na bobajada que se
lê na internet, o argumento mais frequente é justamente o da inexistência de
"serventa", "adolescenta" etc., como se a língua fosse
regida unicamente por processos cartesianos.
Não é, caro
leitor. Se assim fosse, não teríamos como fatos consagrados inúmeros casos que
nem de longe seguem a lógica. Ou será que no padrão culto se registra algo como
"Fulano suicidou"? Pela "lógica", seria essa a forma
padrão, mas...
A língua não
funciona assim. Um exemplo: às vezes, o falante não tem noção histórica da
formação de um termo e acrescenta algo que "ressuscite" o seu sentido
literal. É isso que explica, por exemplo, a pronominalização de
"suicidar" ("Ele se suicidou", "Tu te
suicidarias?"). O verbo não é "suicidar"; é
"suicidar-se". Pode procurar no "Houaiss" etc.
A terminação
"-nte", que vem do particípio presente latino, forma (em português e
em outras línguas) adjetivos e substantivos que indicam a noção de
"agente" ("pedinte", "caminhante",
"assaltante").
99,9999% desses
termos não têm variação; o que varia é o artigo ou outro determinante (o/a
viajante, o/a estudante, nosso/nossa comandante), mas é claro que há exceções.
Uma delas é
justamente "presidenta", registrada há mais de um século. Na sua
edição de 1913, o dicionário de Cândido de Figueiredo registra
"presidenta", como "neologismo". Um século depois, esse
"neo-" perdeu a razão. A edição de 1939 do "Vocabulário
Ortográfico" registra o termo. A última edição de cada um dos nossos mais
importantes dicionários e a do "Vocabulário Ortográfico" também
registram.
Deve-se tomar
muito cuidado quando se usa como argumento o registro num dicionário. Nada de
dizer que "a palavra existe porque está no dicionário"; é o
contrário, ou seja, a palavra está no dicionário porque existe, porque tem uso
em determinado registro linguístico.
Tenho profundo
respeito pela ministra Cármen Lúcia, não só pela liturgia do cargo, mas também
e sobretudo pela altivez com que o professa. Justamente por isso, ouso dizer
que teria sido melhor ela ter dito simplesmente "Prefiro presidente".
Aproveito para
lembrar que não tenho feicibúqui, tuíter, instagrã etc., portanto toda a
bobajada internética a mim atribuída é falsa. É isso.
[Foto: Pedro Ladeira - fonte: www.folha.com.br]
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